O regresso à Pachamama

O regresso à Pachamama

Juan Jacobo Tancara Chambe


Pacha significa tempo, espaço, terra; Mama mãe, senhora; Pachamama é uma palavra para falar da Mãe Terra, dos braços amantes da Terra, mas, além disso, do cosmos que nos rodeia, do espaço vital, concreto, material, mas também espiritual.

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São cada vez mais as pessoas que estão tomando consciência de que o ser humano não é autossuficiente, de que sua vida depende de uma Terra viva e sadia. Nós só poderemos viver se a Terra vive. O mercado capitalista totalizado, a redução da vida humana e da Terra ao cálculo meio-fim, a inércia do sistema... ocasionam efeitos destrutivos (intencionais ou não) que ameaçam a vida no Planeta. A vida da Terra não é um meio para acumular riquezas, mas condição de possibilidade para viver.

Essa ideia, com outros termos, sempre esteve presente na mentalidade aymara e indígena. A comunidade não fomenta um acúmulo e consumo desenfreado, mas o necessário para viver dignamente. O ser humano e a comunidade são partes de algo mais vasto, parte do círculo natural da vida, pelo qual uma ação que destrua a Terra é um suicídio.

O modo de vida, as práticas econômicas, baseadas na agricultura, e o negócio de gado de muitas comunidades aymaras são amistosos com o meio ambiente. Viver em equilíbrio com a Terra, ou em harmonia, significa não sobre-expô-la, não usá-la como simples mercadoria, não estabelecer domínio sobre ela.

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Vivemos por graça no meio do universo, nossa vida é frágil, nossos sistemas econômicos, sociais, políticos são também fracos, pois sem a vida natural não seriam possíveis. Somos um nó de uma rede maior da vida. Não seria viável nossa vida fora dessa rede. Mas, por causa de nossa arrogância, perdemos uma relação direta com a natureza e estabelecemos com ela uma relação de domínio. Por isso temos a ideia do ser humano enfrentando a natureza selvagem; trata-se, efetivamente, de um enfrentamento no qual o ser humano procura conquistá-la e instrumentalizá-la. Isso mediria o grau de civilização e desenvolvimento. Contrário a essa canseira, a oferenda a Pachamama feita pelos aymaras e por outros povos originários, o uso amistoso e comunitário, mostram uma clara consciência de uma interdependência com tudo quanto nos rodeia. Talvez essa falta de «desenvolvimento» que a mentalidade moderna vê no indígena se deva a que os povos originários são conscientes de que é insustentável uma sociedade baseada na arte de adquirir e conservar riquezas. Com efeito, é uma loucura pensar que se pode acumular até o infinito, sacrificando a vida real e a matéria...

Por outro lado, o respeito do indígena pela Terra não é panteísmo nem é uma mentalidade «retrógrada»; é da expressão de uma espiritualidade consciente de que o ser humano é um ser necessitado. Para as pessoas indígenas, a fórmula é clara: não pode haver desenvolvimento assassinado a Pachamama.

O trato que damos à Terra reflete o trato que nos damos pessoalmente e na sociedade: experimentamos e vemos injustiça social, falta de solidariedade, mesquinharia, lutas pelo poder, crimes, exclusão, machismo...; o desequilíbrio está presente em nossas relações interpessoais e nas sociedades humanas. O ser humano perdeu o respeito à Mãe Terra, que significa também ter perdido o respeito a si mesmo.

Um esclarecimento: ser parte do circuito natural da vida não significa que estejamos condenados a ser somente seres naturais; o ser humano também quer transcender, por isso tem religião, faz política, constrói paraísos, terras prometidas ou escreve poemas. Mas esse salto para nós mesmos que nos separou de uma dependência direta da Terra nos está destruindo. Por isso é necessário um segundo salto, que nos leve de volta aos braços da Pachamama, desta vez com clara consciência de nossa transcendência. Penso que o modo de vida, fundamentalmente o ethos e a religião indígena, mostram que é possível esse segundo salto, pois consiste em uma transcendência que dá valor e verdade à Mãe Terra. Em outras palavras: não se trata de criar muitos espiritualistas, onde vivem almas sem corpo, ou onde há paraísos sem terra, mas de uma espiritualidade consciente de que somos corporais, que somos rios, montanhas, árvores, pedras.

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Nos ritos dirigidos, a Pachamama é a comunidade que se apresenta com sua oferenda. Em último sentido, é ela que se oferece. Não somente a vida da Pachamama é condição para a vida do ser humano, mas os seres humanos vivem se estão em comunidade. Não se trata somente de estar vivos, mas de viver bem, da alegria de viver. Assim, os ritos mostram que não somente importa a afirmação da Terra, mas de toda a comunidade. Como vemos, Pachamama implica tudo, e implica a comunidade. Há uma sinergia entre a terra, a comunidade e o indivíduo. A comunidade não anula o indivíduo, pelo contrário, o indivíduo se reconhece na comunidade.

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Muitas Igrejas cristãs questionam os símbolos, o procedimento dos ritos, sobretudo a invocação que se faz aos seres protetores, que proveem recursos para viver e regulam a convivência entre os seres vivos (illas, ispallas, achachilas, apus, uywiris, malkus, etc.), pois para elas a quem se deve invocar é somente a Deus, a «Jesus Cristo». Os ritos aymaras, antes de se fixarem em um nome, são um culto à vida, consciência de reciprocidade: a terra nos dá e nós também correspondemos. É uma relação de carinho, de agradecimento, de convidar-se mutuamente. A terra nos nutre, se pode dizer que a sabedoria aymara aponta diretamente para o fundo da existência, que é a afirmação concreta da vida. Mas não é somente material que a partir daí se abrange, ao mesmo tempo, toda uma complexa espiritualidade, a beleza, a ética e a razão.

Há elementos, valores, costumes dos povos indígenas que podem contribuir para estabelecer políticas de desenvolvimento integral. Os povos indígenas não creem que somos a salvação, mas confiam no diálogo, no intercâmbio de saberes, para melhorar a vida das atuais sociedades. Por isso podemos contribuir com um pensamento ecológico, não antropocêntrico nem ecocêntrico, mas um que procure um equilíbrio entre ambos.

 

Juan Jacobo Tancara Chambe

Escritor aymara, Putre, Chile