O viver melhor, ou o bem viver?

O viver melhor, ou o bem viver?

Leonardo Boff


Na ideologia dominante, todo mundo quer viver melhor e desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Comumente associa esta qualidade de vida ao Produto Interno Bruto de cada país. O PIB representa todas as riquezas materiais que um país produz. Se este é o critério, então os países melhor colocados são os Estados Unidos, seguidos do Japão, Alemanha, Suécia e outros. Este PIB é uma medida inventada pelo capitalismo para estimular a produção crescente de bens materiais a serem consumidos.

Nos últimos anos, dado o crescimento da pobreza e da urbanização favelizada do mundo e até por um senso de decência, a ONU introduziu a categoria IDH, o «Índice de Desenvolvimento Humano». Nele se elencam valores intangíveis como saúde, educação, igualdade social, cuidado para com a natureza, equidade de gênero e outros. Enriqueceu o sentido de «qualidade de vida» que era entendido de forma muito materialista: goza de boa qualidade de vida quem mais e melhor consome.

Consoante o IDH a pequena Cuba apresenta-se melhor situada que os EUA, embora com um PIB comparativamente ínfimo.

Acima de todos os países está o Butão, espremido entre a China e Índia aos pés do Himalaia, muito pobre materialmente mas que estatuiu oficialmente o «Indice de Felicidade Interna Bruta». Este não é medido por critérios quantitativos mas qualitativos, como boa governança das autoridades, equitativa distribuição dos excedentes da agricultura de subsistência, da extração vegetal e da venda de energia para a Índia, boa saúde e educação e especialmente bom nível de cooperação de todos para garantir a paz social.

Nas tradições indígenas de Abya Yala, nome para o nosso Continente indioamericano ao invés de «viver melhor» se fala em «bem viver». Esta categoria entrou nas constituições da Bolívia e do Equador como o objetivo social a ser perseguido pelo Estado e por toda a sociedade.

O «viver melhor» supõe uma ética do progresso ilimitado e nos incita a uma competição com os outros para criar mais e mais condições para «viver melhor». Entretanto para que alguns pudessem «viver melhor» milhões e milhões têm e tiveram que «viver mal». É a contradição capitalista.

Contrariamente, o «bem viver» visa a uma ética da suficiência para toda a comunidade e não apenas para o indivíduo. O «bem viver» supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrenal que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais; é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com Deus.

A preocupação central não é acumular. De mais a mais, a Mãe Terra nos fornece tudo que precisamos. Nosso trabalho supre o que ele não nos pode dar ou a ajudamos a produzir o suficiente e decente para todos, também para os animais e as plantas. «Bem viver» é estar em permanente harmonia com o todo, celebrando os ritos sagrados que continuamente renovam a conexão cósmica e com Deus.

O «bem viver» nos convida a não consumir mais do que o ecossistema pode suportar, a evitar a produção de resíduos que não podemos absorver com segurança e nos incita a reutilizar e reciclar tudo o que tivermos usado. Será um consumo reciclável e frugal. Então não haverá escassez.

Nesta época de busca de novos caminhos para a humanidade a ideia do «bem viver» tem muito a nos ensinar.

Leonardo Boff

Petrópolis, RJ