Os Direitos das mulheres são direitos humanos

Os Direitos das mulheres são direitos humanos
 

A CEDAW: CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO
TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
 

Bufete Popular ‘Boris Vega’ e CEBs


Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DDHH) de 1948, todos os tratados de DDHH contemplam como inerente a toda pessoa humana, entre outros, o direito à igualdade e não discriminação por motivo de sexo.

Eleanor Roosevelt dizia que os Direitos Humanos universais começavam “nos lugares tão próximos e tão pequenos que não aparecem nos mapas e que formam o mundo do indivíduo: o bairro em que vive; a escola ou universidade em que estuda; a fábrica, o campo ou o escritório no qual trabalha. Esses são os lugares em que cada homem, mulher e criança buscam ser iguais diante da lei, nas oportunidades, na dignidade, sem discriminação. Se esses direitos não significam nada nesses lugares tampouco significam nada em nenhuma outra parte”.

No entanto, quando se nasce mulher, o trato e valor desiguais que recebe das sociedades patriarcais e capitalistas, ainda imperantes em nosso século XXI, são altamente discriminatórios e se evidenciam tanto no âmbito público como no espaço privado do lar, no seio familiar, onde acontecem muitas violações aos direitos humanos das mulheres de todas as idades e em todos os países. A casa e o próprio corpo são os primeiros lugares nos quais as mulheres devem desfrutar seus Direitos Humanos. Isso se torna reconhecido quando, com a presença e empurrão do movimento das mulheres na ONU, é aprovada em 1979, a CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, conhecida como a CEDAW em sua sigla em inglês, que define e detalha em que consiste essa discriminação por motivo de sexo contra as mulheres, estabelecendo as medidas que os Estados devem adotar para eliminá-la nas leis, na administração, na vida política e pública, na vida privada e familiar, na educação, emprego, saúde, esporte, lazer, assim como na cultura e nas tradições. No ano 2000 foi aprovado um Protocolo Facultativo da CEDAW, no qual se dispõem dois procedimentos para denunciar e investigar as violações dos direitos contemplados na mesma.

Os instrumentos anteriores também proíbem essa discriminação no gozo dos direitos, porém a forma na qual o estabelecem é androcêntrica, porque são pensados desde as necessidades dos homens, não criam direitos para as mulheres específicos de sua realidade cotidiana, mas que oferecem a possibilidade de exercer, em igualdade de condições com os homens, direitos reconhecidos para eles. Na CEDAW os direitos se estabelecem levando em conta as premências das mulheres. Claro que muitos desses direitos são inerentes à condição humana e, portanto, necessários para as mulheres também, porém há direitos que apenas elas exigem, ou por sua condição sexual, de gênero, ou devido à histórica desigualdade de poder entre os sexos.

A CEDAW desenvolve o seu conteúdo a partir de um preâmbulo e trinta artigos. Destacamos:

a) Em seu primeiro artigo, a CEDAW define a discriminação e estabelece um conceito de igualdade substantiva: “Aos efeitos da presente Convenção, a expressão ‘discriminação contra a mulher’ denotará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo, que tenha por objeto ou por resultado menosprezar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, sobre a base da igualdade do homem e da mulher, dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural e civil ou em qualquer outra esfera”.

b) A Convenção obriga os Estados a adotar medidas concretas para eliminar a discriminação contra as mulheres em todos os âmbitos públicos e privados, praticada pelo Estado e por quaisquer pessoas, organizações ou empresas; e lhes garantir o exercício e gozo dos direitos em igualdade de condições com os homens em todas as esferas, em especial na política, social, econômica e cultural.

c) Permite medidas transitórias de “ação afirmativas” ou discriminação positiva, até que se consiga o objetivo da igualdade.

d) Exorta a eliminar os estereótipos nos papéis dos homens e mulheres enquistados na cultura e na tradição, modificando padrões socioculturais de conduta que eliminem prejuízos e práticas baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de quaisquer dos sexos.

e) Requer que os Estados eliminem toda forma de tratamento das mulheres e exploração da prostituição.

f) Aborda a discriminação na vida política e pública para assegurar a participação das mulheres em igualdade de oportunidades, seus direitos e os de suas filhas e filhos sobre a nacionalidade.

g) Obriga a eliminar a discriminação na educação, no acesso à mesma e em seus aspectos substanciais.

h) Manda eliminar toda discriminação contra a mulher no acesso ao emprego, ao salário e a todas as condições de trabalho. Nem a gravidez, nem a maternidade podem discriminá-la em seu direito ao trabalho.

i) Inclui o planejamento familiar.

j) Aborda a discriminação na vida econômica, social e cultural; em especial as mulheres devem ter igualdade no direito às prestações familiares, o crédito financeiro e participação esportiva e cultural.

k) Chama a eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais para que possam participar por igual no desenvolvimento e se beneficiar disso.

l) Garante a igualdade diante da lei, incluindo a legislação do matrimônio e da família.

m) Cria o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (o Comitê da CEDAW), com 23 integrantes, encarregado de levar à prática as suas disposições e vigiar o seu cumprimento. Os Estados devem informar ao Comitê sobre as suas atividades encaminhadas para alcançar as metas da Convenção.

A CEDAW não se pronuncia explicitamente sobre a violência contra as mulheres por motivos de gênero, o que ficou (?) assinalado já na década dos anos 80 pelo movimento de mulheres latino-americanas. Por sua incidência, em janeiro de 1992, o Comitê da CEDAW aprovou a Recomendação Geral 19, na qual se afirma que “a violência de gênero, a qual impede ou anula o exercício das mulheres de seus direitos humanos e as liberdades fundamentais... é discriminação”. Posteriormente, a Conferência Mundial sobre DDHH de Viena (1993) incorpora a violência contra as mulheres no livro-agenda dos DDHH, e em dezembro daquele ano a Assembleia Geral da ONU aprova a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, em cuja definição inclui o abuso físico, denuncia essa violência no lar e na comunidade, e repudia a ideia de que os Estados não são responsáveis, nem chamados a prestar contas pela violência perpetrada por atores privados.

Se bem que essa Declaração não é vinculante, no sistema Interamericano de DDHH sim o é a Convenção Interamericana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra as mulheres, “Convenção de Belém do Pará”, adotada em 1995, que declara o direito humano fundamental das mulheres a uma vida livre de violência, a qual define como qualquer ação ou conduta, baseada em seu gênero, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, no âmbito público (comunidade, trabalho, espaços políticos, escolas, igrejas etc.) ou no privado (casa, lar, família).

Estabelece que o direito a viver livres de violência inclui, entre outros: o direito das mulheres a que se respeite a sua vida, sua integridade física, psíquica e moral; direito à sua liberdade e segurança; a serem valorizadas e educadas livres de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais, culturais ou religiosas baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação. A Convenção impõe deveres aos Estados de adotar políticas orientadas a prevenir, sancionar e erradicar a violência, além de mecanismos interamericanos de proteção.

Uma vez ratificada a convenção, fica muito por fazer: difundi-la, cumpri-la, adotar leis e políticas públicas; dispor os fundos necessários; que o processo de mudança das tradições e costumes seja efetivo.

É urgente a tomada de consciência das mulheres e dos homens, de Estados e de organizações, de que a igualdade de gênero é uma exigência da justiça e uma premissa inadiável para o desenvolvimento e o bem viver social. É uma revolução pendente pela qual devemos nos organizar e lutar.

 

Bufete Popular ‘Boris Vega’ e CEBs
Masaya, Nicarágua