Outra Àsia é possível
Outra Àsia é possível
Michael AMALADOSS
A Ásia tem a metade da população mundial. Tirando alguns países como Japão, Taiwan, Hong Kong, Cingapura e Coréia do Sul, ela pertence ao terceiro mundo. Há muitas pessoas pobres e a distância entre ricos e pobres está aumentando. Ansiosos para alcançar as economias mais ricas, os países asiáticos investiram em um desenvolvimento tecnológico sem planejamento que levou à destruição do meio-ambiente. As multinacionais são autorizadas a explorar os seus recursos humanos e materiais. A mão-de-obra barata de mulheres e crianças é utilizada para reduzir os custos de produção. A chamada fuga de cérebros e o trabalho migrante estão esgotando os seus recursos humanos. O turismo sexual envolvendo mulheres e crianças é incentivado e tolerado como uma fonte de renda. O processo de globalização econômica está concentrando o poder político e econômico, apoiado pelo poder militar, na América do Norte e na Europa, tornando a Ásia um grande mercado aberto para as suas mercadorias e uma fonte de mão-de-obra barata. A população está crescendo na maioria dos países. A competição pelos limitados recursos disponíveis está criando muitas tensões entre diferentes grupos de pessoas, unidos em nome da religião, da etnia, da nacionalidade ou do idioma. Há conflitos de baixa intensidade acontecendo agora em diversos países. O quadro geral realmente é sombrio e o futuro parece triste.
Mas há muitos sinais positivos de um despertar das pessoas que possa contrapor esse quadro negativo. É por isso que podemos afirmar com convicção que uma Ásia diferente é possível. Quais são os fatores que nos levam a vislumbrar esse futuro melhor?
O fator mais importante é a grande riqueza da Ásia em recursos humanos. Em termos da idade da população, a Ásia é um continente muito jovem, comparada com as populações em envelhecimento da Europa e América do Norte. Há um vasto exército de jovens. Essas pessoas estão enraizadas e vêm se sustentando em uma cultura asiática milenar, liderada pela China e pela Índia. Essas culturas têm sido capazes de resistir ao impacto das culturas européias durante o período colonial e crescer através de uma interação criativa. Elas também têm sido capazes de integrar a ciência e a tecnologia modernas sem nenhum prejuízo dos seus valores básicos. A secularização não é um problema na Ásia.
É comum se dizer que conhecimento é poder. Hoje conhecimento é saber usar a mídia eletrônica. As pessoas se referem a isso como tecnologia da informação. Os jovens asiáticos são reconhecidos globalmente como tendo afinidade com essas formas de tecnologia e conhecimento. Certamente eles terão um papel importante no desenvolvimento do mundo futuro. A tecnologia da informação transformará a vida das pessoas na Ásia. Pode ajudá-los a pular alguns estágios do desenvolvimento industrial pelo qual passou a Europa.
O povo também está ficando politicamente mais atento. Em todos os países, grupos subjugados estão se conscientizando dos seus direitos e os afirmando através de todo o tipo de movimentos sociais e políticos. Apesar de ainda haver governos violentos em alguns países, ditaduras militares estão governando apenas poucos países como Birmânia e Tibet. A democracia está se afirmando devagar e sempre em muitos países. O poder do povo se percebe em toda a parte. Nos últimos dez anos, o povo Filipino derrubou dois presidentes através de movimento popular. Os indonésios derrubaram o seu presidente em uma revolução sangrenta. O Timor Leste ganhou a sua independência. Similares reafirmações da democracia têm acontecido em Taiwan e na Coréia do Sul. A Índia permanece como a maior democracia em funcionamento no mundo com mais de um bilhão de pessoas.
O que é impressionante é que a maioria dos países asiáticos é multicultural e multireligioso. Apesar de todas as tensões eles têm sido bem sucedidos em viver unidos e criar uma comunidade. Nas Filipinas, no Sri Lanka, na Índia, na Birmânia e na Indonésia as negociações pela paz têm substituído conflitos ativos e até violentos. Essas negociações representam o reconhecimento da identidade diferente dos grupos e de sua autonomia dentro de uma unidade política federal. Dessa forma, grupos de pessoas podem participar nos processos de tomada de decisão e determinar seu próprio futuro.
Também tem havido um despertar para a área da ecologia. As pessoas estão mais sensíveis para o papel da Terra na vida humana e cósmica. Os grupos pobres e tribais em áreas de floresta se tornaram conscientes da crescente destruição do meio-ambiente e têm resistido ativamente ao avanço da tecnologia. Eles também têm protestado contra o despejo dos povos e contra a destruição do seu habitat cultural. Houve um caso famoso no norte da Índia em que mulheres abraçaram árvores na floresta para evitar que elas fossem cortadas, mesmo que alguns dos empregados para cortar as árvores fossem seus próprios maridos. No sul da Índia as pessoas desenvolveram modos alternativos de represar rios e utiliza-los para irrigação. Pescadores têm se organizado em lutas contra barcos de arrasto mecanizado que destroem a cultura de peixes no mar e privam os pescadores originais de seu modo de vida. O povo das Filipinas tem conseguido parar a destruição de florestas para serem substituídas por fazendas produzindo bens para exportação. Esses movimentos dos povos têm sido capazes de forçar governos a proteger os seus interesses no balanço ecológico do universo.O que também é significativo é que muitos desses movimentos não são violentos, seguindo o exemplo de Mahatma Gandhi.
Os valores básicos do povo estão enraizados na religião. A Ásia é o berço de todas as religiões mundiais: Hinduísmo, Confucionismo, Budismo, Cristianismo e Islamismo. Todas essas religiões são renascidas e adquiriram um novo propósito no contexto do impacto da modernidade. O secularismo é a conseqüência de uma luta entre a Igreja e o Estado na Europa. Conflitos semelhantes não existem na Ásia e portanto ela não é secularizada como a Europa. Apesar de as religiões asiáticas parecerem transcendentes, na verdade elas são muito focadas numa boa vida aqui e agora. Sistemas de meditação como a Yoga e o Zen buscam promover a paz e harmonia interior em meio a um mundo confuso. Esses sistemas estão se tornando cada vez mais populares.
Métodos alternativos de cura promovem uma saúde completa. Os sistemas tradicionais de medicina na Índia e na China são baseados em ervas e nas energias do próprio corpo. Práticas como acupressão e acupuntura estimulam o corpo a curar a si mesmo. Da mesma maneira, o fluxo de energia no corpo tem sido estudado experimentalmente. Essa energia é canalizada para propósitos de cura por sistemas como o Reiki e a cura Pranic. A concentração mental, a energia psico-física e as ervas da natureza formam uma combinação poderosa para a promoção de uma saúde completa.
Apesar de haver certas correntes de fundamentalismo religioso e movimentos que usam as religiões como forças políticas, as religiões asiáticas são na sua maioria pacíficas e amorosas. Mesmo o fundamentalismo religioso é uma reação à opressão econômica, política e cultural pelos grupos globalmente dominantes.
Na Ásia do futuro, as mulheres terão autonomia. É verdade que as culturas asiáticas oprimiram as mulheres de diversas formas no passado. Mas, em tempos recentes a necessidade econômica colocou a mulher em praça pública à procura de empregos. Isso tem dado a elas uma nova independência, confiança e uma representação crescente na política. Na Índia, por exemplo, há um movimento para garantir 33% da representação parlamentar para as mulheres. Novas áreas como a Tecnologia da Informação são acessíveis para as mulheres por não exigirem força física bruta, mas sim inteligência. Na verdade, na Ásia, tivemos mulheres primeiras-ministras no Paquistão, na Índia e em Bangladesh. Há mulheres presidentes no Sri Lanka e nas Filipinas.
Um dos motivos do atraso asiático hoje é a dominação colonial nos séculos recentes. Sua nova independência certamente confere à Ásia uma oportunidade. Uma Ásia alternativa é possível porque a Ásia tem culturas que oferecem uma visão do mundo e um sistema de valores alternativos à cultura euro-americana dominante que é consumista e orientada para a competição, prejudicial ao corpo e à terra. As culturas asiáticas são favoráveis e integradas ao corpo e à natureza. Enquanto culturas euro-americanas são individualistas, as culturas asiáticas são comunitárias. Elas são sensíveis ao ‘outro’. A inteligência emocional é parte do seu sistema e elas são igualmente racionais também. A harmonia tem sido o seu objetivo. Elas são enraizadas na religião. Os asiáticos estão lentamente se tornando conscientes das riquezas que possuem. Se eles puderem desenvolver seus recursos, eles poderão atingir as necessidades de todos igualmente.
A juventude de sua população garante que o futuro do mundo seja seu.
Como a recente guerra contra o Iraque tem demonstrado, o colonialismo, político e econômico, ainda não acabou. Mas a arrogância das forças colonialista será a sua destruição. Essa é a oportunidade dos asiáticos para mostrarem ao mundo que eles têm um modo de vida alternativo real.
Outra Ásia é possível!
Michael AMALADOSS
Instituto para o Diálogo com Culturas e Religiões,
Chennai, Índia