Outra comunicação é possível
Outra comunicação é possível
José Maaría VIGIL
As forças que dominam o mundo e o mantém em sua situação atual não são apenas de poder econômico, político, militar ou estrutural, se não também simbólicas e mental. Talvez sejam, sobretudo, mental. Estamos domi-nados e somos escravos porque, todavia, não chegamos a ter consciência suficiente dele. E não chagamos a ter consciência, em parte devido a que não nos é comunica-da a informação que nos abra os olhos, se não uma informação que desinforma, que oculta os verdadeiros problemas e, sobretudo, as necessárias utopias. Uma informação e uma comunicação conscientizadora talvez são o melhor caminho a um “outro mundo possível”.
O neoliberalismo que sucedeu ao estado de bem estar social (aos movimentos populares de libertação, e também ao socialismo real) não solucionou os proble-mas. Em muitos sentidos os agravaram. Inclusive, não há uma resistência suficiente das massas. As massas, toda-via, aceitam a situação. São vítimas de uma “preguiça vital” que as leva a não comprometer-se. A depressão psicossocial que afetou a América Latina já recuou, se descongela essa sensação de impotência que esteve paralisado desde os militares. Mas ainda há muita despo-litização característica da cultura neoliberal.
E custa sair desta situação. Porque não é uma situa-ção natural, espontânea, e sim buscada, sustentada por quem está interessado em que se perpetue, e a estudam e a alimentam através dos meios de comunicação. Liber-tarmo-nos da comunicação alienante é uma das primeiras urgências para poder avançar e fazer um outro mundo possível. Que novas atitudes configurariam essa nova comunicação que necessitamos?
Entrada indiscutível das novas tecnologias
Ha alguns anos teríamos que justificar que os pobres e seus aliados devíamos entrar no mundo das novas tecnologias. Na Agenda de 1997 sentimos a necessidade de defender que era precisamente a opção pelos pobres que obrigava a entrar nesse campo. Hoje não é necessá-rio. Já entramos, a grande maioria, e os atrasados estão se preparando para fazê-lo. Assunto resolvido.
Mas não basta entrar e tomar o correio eletrônico (e-mail) como um «superfax» (mais barato, mais rápido, mais versátil…) ou a Web como um jornal ou uma revis-ta, ou ainda uma biblioteca mais universal até mais econômica… Entrar nas novas tecnologias significa muito mais. Necessitamos:
- Criar redes de comunicações (organizadas, interco-nectadas, automatizadas), jornais e boletins de informa-ções próprias, populares e alternativas.
- realizar reuniões virtuais, isentar gastos de viagens para reuniões físicas, realizar as que fisicamente nunca estariam ao nosso alcance.
- Digitalizar toda informação (textual, sonora, visual, de dados…) como requisito imprescindível para compar-tilhá-la, e colocá-la desinteressadamente na Internet.
- Criar lugares de informação alternativa, o mais coordenado que formos capazes de organizar.
A Internet é a comunicação dos pobres, é a grande possibilidade. Sem meios econômicos, sem capital, sem empregos. Uma só pessoa é capaz de montar uma revista ou uma editora, ou uma agencia de informação... O que falta agora é criatividade, iniciativa e trabalho. A pobre-za e a falta de meios que tem sido os grandes obstáculos para os pobres ao longo da história, hoje isso foi supera-do com o advento dos novos meios tecnológicos...
A experiência do primeiro semestre de 2003, antes da Guerra do Iraque, marca um fato, um salto qualitativo na história da mobilização popular: a convocatória de 1º de fevereiro, com apenas 20 dias de antecedência, em todo o mundo com 15 milhões de pessoas em 600 cida-des em todo mundo, foi a primeira mobilização mundial da história. A contínua e intensiva campanha espontâ-nea que então se deu, durante vários meses, de dissemi-nação de notícias, informes, análises interpretativas alternativas, convocações de ações militantes... Foi um fenômeno novo, espontâneo que despertou a todos... Era um primeiro passo, mas era já um experiência que ante-cipava de um modo já muito real infinitas possibilidades da Internet... Uma nova militância, agora “também virtual” nasceu, e vem para ficar.
Independência diante das grandes companhias.
Não podemos criar outros, nem concorrer com o aparato de seus meios. Mas é possível criar meios alter-nativos, mais ágeis e eficientes, pequenos davis diante de golias. Caso que disse o PNUD do golpe de estado na Rússia. Sem meios, mas com militância e voluntariados – sem renunciar à profissionalidade – e sobretudo com muita competência, podemos emancipar-nos e emancipar o movimento popular diante da dependência informativa às grandes emissoras e agências.
Não em todos os campos (informação internacional direta sobre um território…) mas sim no que é principal (análises econômicas, ideologias, projetos estratégicos como a ALCA …) Essa é a primeira urgência da comuni-cação de um outro mundo possível.
Necessitamos que seja posta em movimento, novamente, uma iniciativa como a do inexplicável fracasso da agência PULSAR, esta vez de um modo mais organizado, mais vinculado internacionalmente, e até com objetivos mais ambiciosos, envolvendo as iniciativas dos grandes conti-nentes e influenciando os outros campos como os co-mentários temáticos dos editoriais. Está por fazer... Quem tomará a iniciativa?
Não podemos competir no setor de entretenimento, que necessita de um investimento gigantesco... Necessi-tamos em todo caso da iniciativa e criatividade dos militantes neste campo, e dos comunicadores e criadores que já existem, novas formas de criar o “entreterimento alternativo” Quem escutará o chamado?
Reconverter grandes instituições de comunicação
A imensa maioria dos comunicadores populares não temos contato com organizações internacionais e mun-diais de comunicação. Estas organizações parecem ter ficado numa cúpula burocrática e teórica alienadas, distantes da reali-dade. Para um comunicador “normal”, da base, tornam-se quase irrelevantes, fechadas no Olimpo de suas reuniões internacionais improdutivas. Necessitam que alguém lhes dê uma sacudida e lhes mostre a necessidade de uma reconversão.
Nova mística do comunicador
Antigas e recentes atitudes,constituem a nova “mís-tica para o comunicador da informação” para o “outro mundo possível”. De agora em diante, se faz imprescindí-vel contar com um tempo diário de “militância de comu-nicação virtual”. Ficar meia hora, uma hora por dia dian-te do computador, para ler informações alternativas, para receber e compartilhar com os amigos e companhei-ros militantes os informes alternativos... é uma prática que já é parte integrante do compromisso militante.
- Com quantos grupos ou pessoas que pertencem à minha profissão, área, classe social, ou companheiros de militância, de outros países e até de outros Continentes eu tenho contato? Meu sindicato, organização, grupo de jovens, associação profissional, comunidade religiosa, com quantas organizações semelhantes de outros países ou de outro continente tem algum tipo de contato? Esses contatos, que até agora eram praticamente impen-sáveis, agora estão ao alcance de nossas mãos e a um preço quase irrisório. Se não temos relações militantes mundializadas é por falta de imaginação ou de esforço.
- “Que fale o povo pelos meios” (Casaldáliga). Que a Internet se converta em um “mural virtual de anúncios”, no ponto de encontro e no meio mais potente de expressão dos movimentos populares.
- Ser consciente do inevitável posicionamento ou do “lugar social” na correlação de forças econômicas e culturais do mundo atual. Não se deixar levar pela pretendida despolitização do momento atual de cultura neoliberal. Não se deixar enganar: não existe uma informação e uma comunicação pretensamente objetiva. Tudo é político. Ou estamos com o sistema ou estamos contra ele. Ou com o imperialismo ou pele libertação; ou perpetuando o velho mundo ou construindo o novo; ou com a informação alienante ou proporcionando a comunicação própria do um “outro mundo possível”.
- Deve-se entender o comunicador como um “facili-tador e animador do diálogo público no espaço público” (Rosa María Alfaro). É, portanto, um facilitador da toma-da de consciência. Um construtor de um outro mundo possível ou é um obstáculo para sua cons-trução. Um trabalhador da utopia, que trata com o mais sagrado que há neste mundo: a consciência humana.
- O comunicador deve ter fé na comunicação. Deve estar convencido da importância da simbologia, do sen-tido, da utopia, dos valores, das informações, da inter-pretação, da comunicação e até das potencialidades das tecnologias da comunicação.
- Estamos em um novo ciclo da transformação do mundo por via da consciência. As dimensões econômicas e políticas são tão necessárias como sempre, mas agora estamos mais conscientes da necessidade da luta pela transformação da consciência humana, tanto com relação à práxis econômica e política quanto à pratica teórica.
Nova cultura da comunicação
Os comunicadores militantes, como servidores públi-cos que são, necessitam de “atitude de comunicação perma-nente” (também quando estou viajando, todos os dias, e até varias vezes ao dia por parte de todos os que trabalham com computadores e acesso fácil à Internet) Uma “cultura de responsabilidade”: responder sempre e rápido, ao que só seja para acusar ou para dizer que não se pode dar resposta. A informação completa e rápida sempre facilita e nunca é demais.
José Maaría VIGIL
Panamá