Outras instituições internacionais para outra economia

Outras instituições internacionais para a outra economia

François Houtart


Uma reflexão sobre novas instituições deve, antes de tudo, lembrar quais são as instituições existentes e como obedecem ao fato de a economia mundial não ser espontânea, mas responder a interesses muito precisos.

As instituições financeiras e econômicas existentes

São de dois tipos. Algumas são oficiais, frutos de decisões de Bretton Woods (EUA), onde foram criadas em 1945: Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), e GATT (Acordos sobre as Tarifas), que se transformou, em 1995, na OMC. O BM foi fundado para a reconstrução da Europa e o desenvolvimento dos países ex-colonizados. Na mesma linha apareceram os bancos regionais: África, Ásia, América Latina. O FMI tinha que regular os fluxos financeiros internacionais e gerir as crises. Pensava-se na Organização Internacional do Comércio (OIC), e o GATT só funcionou durante 50 anos. A OMC não faz parte do «sistema» da ONU: é independente, administrada por seus membros. O órgão de coordenação econômica da ONU é o ECOSOC (Conselho Econômico Social).

O economista inglês John Maynard Keynes fez a proposta de uma moeda internacional de referência. Os EUA não aceitaram. Propuseram depois uma União Internacional de Intercâmbio, que não teve melhor sorte. Os Estados Unidos, grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial, queriam aproveitar profundamente uma vantagem. A sede da ONU se estabeleceu em Nova Iorque, e a das organizações financeiras mundiais em Washington. O dólar, vinculado ao ouro, era a moeda de referência. A presidência do BM devia ser dos Estados Unidos, e se concedeu a presidência do FMI a um europeu. Com 17% do capital (e dos votos) um país tinha o direito de veto, somente o caso dos Estados Unidos. Os países do Sul tiveram uma representação marginal.

Durante os 30 anos seguintes à Segunda Guerra Mundial não houve crises maiores, graças à relativa regulamentação do sistema. Nos anos 70 teve início o Consenso de Washington, isto é, a liberalização dos intercâmbios, a ir-regularização das economias e as privatizações, apoiadas por órgãos financeiros estabelecidos em Washington, pela Reserva Federal dos Estados Unidos (a FED) e pelas grandes empresas transnacionais norte-americanas. Antes aconteceram a desvalorização do dólar em relação ao ouro e a sua transformação mercantil. As organizações financeiras internacionais transformaram-se em instrumentos dessa política, impondo normas neoliberais, especialmente aos países do Sul: os programas de “ajuste estrutural”.

A economia mundial cresceu de modo espetacular, mas também a desigualdade e o esbanjamento irracional de matérias-primas, particularmente da energia. As crises passaram a se multiplicar, até a grande crise de 2008-2009, a maior desde os anos 1929-30. As organizações financeiras, supostamente regulando a economia mundial, atuaram segundo a lei do mercado, acelerando o processo de crise. Agiram com decisões pro-cíclicas, segundo a Comissão da ONU sobre a crise financeira e monetária internacional (Comissão Stiglitz). Situações denunciadas por muitos movimentos sociais, ONGs, Igrejas e outras instâncias.

Houve também instituições privadas e informais, que ajudaram o sistema a funcionar segundo a lógica do mundo capitalista. Assim, o Comitê de Basileia, que envolve os grandes bancos (inclusive bancos centrais) para se regularem entre eles mesmos, e as Agências de Qualificação, que exercem papel essencial na avaliação dos riscos dos capitais financeiros. Ao serem financiadas pelos próprios bancos e organismos financeiros, não podem evitar os conflitos de interesses.

Há ainda grande número de think tanks e grupos de encontro. O Fórum Econômico Mundial de Davos envolve cada ano os mais ricos do mundo, com representantes do BM, FMI, OMC e altos líderes políticos, para discutir a orientação da economia. A Comissão Tríplice teve também influência, com representantes de empresas, em governos e sindicatos. O Grupo de Bildenberg reúne-se todos os anos; agrupa grandes capitalistas, homens políticos neoliberais e famílias reais europeias, para elaborar propostas de política internacional. As principais organizações informais porém, de Estados, são os G-7 (+ 1), os países mais ricos do mundo, mais a Rússia e ultimamente o G-20, que inclui países «emergentes».

Para novas instituições internacionais

A maioria das propostas existentes, além de algumas mudanças cosméticas propostas pelas instituições existentes ou dos Estados fortes, é do tipo reformista. Podem ser bastante radicais, como as da Comissão Stiglitz, mas nenhuma delas vai além do neo-keynesianismo na escala mundial. Podem ser úteis em um processo de transição, mas não questionam a lógica do sistema capitalista.

Uma primeira proposta é a reforma das organizações existentes, o BM e o FMI. A Comissão Stiglitz apresentava esta exigência como urgente, para enfrentar a crise. Segundo ela, o BM deve redefinir os seus objetivos em função do crescimento, da estabilidade e da redução da pobreza. O FMI, para contribuir com a estabilidade financeira global, teria que administrar um novo sistema de reservas mundiais, sobre a base de todas as moedas do mundo. O instrumento dos «direitos de emissão especial», já existente, teria que ser ampliado. É uma maneira de criar uma moeda internacional que não seja o dólar, o que poderia ser regionalizado, no seio de instituições próprias, como o Mercosul (os países do Sul das Américas) ou o ASEAN (Associação dos Países da Ásia-Este) e com a criação de moedas regionais, como o «sucre» na América do Sul ou o que se propôs na Iniciativa de Chien Mai (Tailândia), para a região do ASEAN ou também o Grupo de Xangai, que inclui a China e a Rússia. A Comissão Stiglitz propõe também pôr fim à dominação dos Estados Unidos e da Europa sobre a presidência destes organismos, e assegurar uma representação mais internacional e democrática.

Segundo a Comissão Stiglitz, é necessário criar novas instituições. A primeira deve ser um Painel Internacional de Expertos permanente, capaz de advertir a tempo sobre os perigos de crise. Foi a única proposta aceita pela ONU. Mas trata-se também de criar um organismo com capacidade de agir sobre os mecanismos da economia mundial: um Conselho Mundial de Coordenação Econômica (GCEE, é a sua sigla em inglês), ao lado do Conselho de Segurança. Este organismo poderia coordenar todos os organismos da ONU, no campo econômico e impor medidas contracíclicas, em caso de crises. Uma Corte Internacional de Reestruturação de Dívida dos Estados e um Sistema de Fiscalização Mundial para Objetivos Mundiais (clima, etc.) complementariam este panorama. Até aqui as recomendações da Comissão.

Devemos acrescentar, desde a sociedade civil inferior, nos campos social e político, a importância do Fórum Social Mundial para ampliar a consciência social mundial das condições políticas de esquerda (como na América Latina o Fórum de São Paulo). Alguns o consideram uma Quinta Internacional sobre uma base democrática.

Outras instituições para um mundo pós-capitalista

Sem dúvida, a múltipla crise (financeira, alimentícia, energética, climática) relacionada com a lógica do capitalismo, exige mais do que instituições de regulamentação: pede mudança de orientações fundamentais (o paradigma) de desenvolvimento humano. Isto significa uma redefinição do Bem Comum da Humanidade, sobre a base dos quatro eixos da vida coletiva no planeta: 1) um relacionamento de respeito com a natureza como fonte de vida, 2) a produção da base da vida (economia) em função do valor de uso, e não exclusivamente do valor de mudança (como o capitalismo), 3) a generalização da democracia em todas as instituições e em todas as relações sociais (também entre homens e mulheres), e 4) a interculturalidade.

Novas instituições correspondentes a estes quatro eixos teriam de ser criadas no seio da ONU, com poder de atuação, funcionamento democrático e participação a partir de baixo. Em cada campo seria criado um órgão de coordenação de todas as iniciativas, antigas, renovadas e novas. (1) A relação com a natureza, incluindo o clima, a biodiversidade, os mares, o direito da natureza e dos animais, etc.; a agricultura (FAO) e a extração mineral. (2) A economia mundial (Banco Internacional, Fundo de Regulamentação Financeira, Órgão de Regulamentação do Comércio, Organização Internacional do Trabalho, etc.) (3) A organização coletiva, com os Direitos Humanos, as Cortes Internacionais, a solução de conflitos, as Cortes Internacionais, a solução de conflitos, a igualdade de gêneros... e (4) a cultura, com a UNESCO e suas diversas funções, as culturas originais, etc.).

Trata-se de uma refundação da ONU, no sentido proposto pelo Padre Miguel D’Escoto, que foi presidente da Assembleia Geral.

 

François Houtart

Louvain, Bélgica - Quito, Equador