Para outra humanidade, outra comunicação
Para outra humanidade, outra comunicação
José Maria VIGIL
Conforme se sucedem as horas históricas, o caminho para a libertação se transforma, adentra novos territórios, abandona trajetos conhecidos, deixa impraticáveis as saídas tradicionais... A libertação bem sabe traçar seu caminho em cada hora histórica. Somos nós que custamos a descobrir os novos caminhos da libertação, inclinados como estamos a preferir os velhos e habituais caminhos, em vez de nos adaptarmos a seguir-lhe o passo, na dança histórica da libertação.
Para ir ao mesmo lugar, devemos percorrer um caminho diferente, em cada hora da sempre nova História da libertação.
VER
Os grandes problemas do mundo, os problemas clássicos, não acabaram. Permanecem aí. Muitos deles, agravados. Mas, quase todos, transformados. Reestruturados. Mundializados, agora. E banhados ainda por uma aura de hegemonia e de inevitabilidade...
Antes de tudo há que se reconhecer que a bonança dos dados macro-econômicos do mundo de algum modo repercute sobre a população pobre, de forma que no ano passado, por exemplo, na América Latina se deu um crescimento econômico notável, maior que o esperado. Mas ao mesmo tempo é preciso reconhecer que continua a desigualdade no mundo, continua a imensa pobreza das massas e toda a exclusão que nos trouxe o neo-liberalismo “triunfante”.
Culturalmente, seguimos na onda da “norte-america-nização” do mundo, da influência cultural desmedida dos EUA – inclusive sobre a Europa – em tudo o que se refere a informação, comunicação, entretenimento...
Ecologicamente, continua a destruição: desmatamento, desertificação, destruição de imensas superfícies pelas grandes minas, contaminação de terras e águas, buraco na camada de ozônio, aquecimento do planeta, degelo, alteração do clima, extinção de espécies... É a própria vida que está em perigo no planeta, e o ser humano como espécie, mas não há maneira de deter esse suicídio coletivo: o sistema econômico continua sendo prioritário perante a Vida, o Planeta, a Justiça, a Humanidade, inclusive como espécie.
Pois bem, se em muitos aspectos estamos pior do que há algumas décadas, ainda assim não se observa nas pessoas – globalmente falando – suficiente resistência. As grandes massas – boa parte da juventude – estão desmobilizadas: falta de informação adequada (“o que os olhos não vêem, o coração não sente”), sem ilusão, sem utopias, sem indignação ética, atadas ao egoísmo e à comodidade, afundadas numa cultura despolitizada...
A que se deve tudo isso? A grande causa é a “falta de consciência”, no sentido integral.
JULGAR
O sistema ainda domina e, em boa parte, domina bem, comodamente, com “hegemonia”.
- A maior parte de seus dominados, a grande massa humana, o reconhecem pacificamente como triunfante, como sem alternativa, como o único mundo possível de fato e, por isso, não ousam contradizê-lo. Acomodam-se pacificamente à sua hegemonia cultural, feita de despolitização da sociedade, de individualismo e desprezo pelos ideais libertadores.
- Um bom bloco de “militantes clássicos” ainda estão na ressaca do “fracasso” (real ou suposto) do socialismo, no cansaço da luta passada (depressão psicológica), e são vítimas do suposto introjetado (não há solução, não há alternativa...).
Como se pode ver, em ambos os casos o problema é principalmente ideológico: as pessoas estão dominadas em sua consciência, são vítimas de uma ideologia que as mantém encerradas em seu pequeno mundo, e que não lhes permite ver a injustiça do mundo e reagir, rebelar-se, lutar para construir uma alternativa.
Os problemas têm solução. Não é que não possamos resolvê-los. O que falta é vontade política, convicção. Dito de outra forma: o maior problema – se é possível comparar a gravidade dos problemas – é um problema de consciência.
- Não estamos condenados à pobreza majoritária: a quantidade de recursos que são necessários para erradicar a pobreza é relativamente pequena. Mas não há vontade política de fazê-lo, diante dos interesses das multinacionais e das grandes potências.
- Não estamos condenados a continuar vivendo numa sociedade estruturalmente injusta a nível mundial: quando a sociedade como um todo se conscientizar da necessidade de instaurar uma convivência justa e fraterna, já não será possível deter a Justiça. Mas hoje em dia essa consciência cresce muito lentamente...
- Não se detém o desastre ecológico, do qual continuamos nos aproximando inexoravelmente, por “falta de vontade política”, por falta de convicção. Porque a opinião pública ainda não está consciente da iminência do desastre, e ainda não descobriu que a ânsia de obter um lucro imediato está destruindo nosso futuro como Humanidade. No dia em que a Humanidade tomar consciência disso, será possível deter as atuais práticas ecocidas.
Ou seja: são importantes, são necessárias e são imprescindíveis todas as soluções técnicas, econômicas, políticas... para instaurar uma nova sociedade. Mas é necessário, sobretudo, um trabalho de conscientização da Sociedade. A solução do mundo, principalmente, já não é nem armada, nem política, nem econômica, nem tecnológica... Mas de consciência, de mentalidade, de conscientização, de convicção... A tarefa mais importante é o trabalho de conscientização que ainda está por ser realizado e por amadurecer na consciência da Humanidade. No dia em que esta se convencer da perversidade da situação atual e da possibilidade e da necessidade de uma nova ordem, nesse dia nada poderá deter a nova ordem. O mundo só mudará de rumo por convicção. (Ecologicamente, pode ser que também mude ante a iminência do desastre, mas então, provavelmente, será demasiado tarde.)
Pois bem, esse trabalho de conscientização da Humanidade se decide no campo dos meios de comunicação. São eles que alimentam o espírito humano, a utopia social transformadora... São eles que fazem tomar consciência da injustiça, os que informam novos valores, os que formam opinião, vontade, decisão social. A Nova Utopia se constrói hoje, em boa parte, como nunca antes, nos meios de comunicação desta sociedade globalizada, convertida em uma única rede mundial de comunicações.
A comunicação é um novo campo de batalha da libertação humana. Este é o desafio e este é o chamado desta Agenda.
ATUAR
Para cada hora histórica, uma militância libertadora adequada. Se em outro tempo o compromisso com a libertação consistiu sobretudo de construir alternativas econômicas, políticas e sociais, e tudo o que não estivesse diretamente ligado ao econômico acabou por ser desprezado, hoje, sem desprezar nada daquilo, devemos voltar nossa atenção ao fenômeno principal que controla o pensamento da Humanidade e a mantém cativa do sistema: a comunicação social. É um campo novo, no qual devemos entrar para destravar o bloqueio de consciência da Humanidade atual.
Dizíamos, na conclusão da Agenda do ano passado: “A batalha não é através das armas, nem do confronto. Nem é assunto apenas relativo à produção ou à economia. Nem é pela tomada do poder, mas sim pela tomada da consciência: pelo poder da verdade, da convicção, da persuasão, pela força da razão, contra a razão da força”, que é a que atualmente nos atenaza como sociedade mundial. E tudo por meio da comunicação, a militância no campo das idéias, da reflexão, da informação, a conscientização, a formação da consciência crítica...
Este não é um trabalho apenas dos jornalistas, dos intelectuais, dos pensadores ou dos comunicadores profissionais... É um compromisso para todos nós. Todos temos de ser “comunicadores”, militantes da comunicação, em nosso dia a dia, com nossa família em primeiro lugar, com nossos contatos, no bairro, no trabalho, na associação, no grupo, na comunidade, pela internet... Uma comunicação nova, mais intensa, mais lúcida, mais profissional, mais militante, mais conscientizadora, mais insistente...
A este trabalho podemos acrescentar algumas idéias ou sugestões para nossa ação pessoal concreta:
- informar-se, informar-se bem, buscar boas análises, sérias, documentadas, dos melhores autores, colocadas sempre sob a perspectiva dos pobres... (a outra perspectiva, os meios do sistema já nos dão);
- apoiar esses serviços de informação que já existem na Rede mundial: visitá-los, manifestar-lhes solidarieda-de, apoiá-los materialmente, recomendá-los a outros...
- dizer nossa palavra, pronunciar-se diante da História, comunicar, entrar no mais propriamente humano: o pensamento simbólico;
- ter fé na comunicação, acreditar que as idéias continuam movendo o mundo e que as boas idéias podem movê-lo rumo ao Bem e à Justiça. Apoiar os que realizam uma prática teórica, os que lutam pela utopia tratando de influir com idéias mobilizadoras...
- desenvolver, por nós mesmos, à medida em que possamos, essa “militância ideológica”, a “práxis teórica” a nosso alcance. Se “nem um copo de água dado com amor ficará sem recompensa”, tampouco uma “idéia mobilizadora, passada a outros com amor, ficará infecunda”.
José Maria VIGIL
Panamá