Para uma nova aliança da humanidade pela vida
Marcelo Barros
É urgente unir toda a humanidade em uma aliança a favor da vida. É preciso lutar para que a vida não seja mercantilizada (atualmente há instituições e laboratórios que querem patentear direitos comerciais sobre DNA e sobre a própria vida). Diversos grupos internacionais que trabalham pela justiça eco-social e por mais vida para toda a humanidade se unem em entidades que se chamam Diálogos em Humanidade e finalmente na Ágora dos Habitantes da Terra. É bom lembrar que, na antiga Grécia, a Ágora era o espaço público de discussões, onde os/as cidadãos de cada cidade tomavam as decisões importantes para a vida de todos. Nesse momento da vida da humanidade, parece mais importante do que nunca uma ou diversas ágoras dos habitantes da terra.
Desde os anos 1990, algumas experiências têm florescido. Em junho de 1992, no Rio de Janeiro, durante a conferência da ONU sobre o clima, movimentos e organizações sociais se reuniram na Cúpula dos Povos. Essa mesma experiência foi repetida no mesmo local, durante a Rio 92+20, em junho de 2012. A partir do levante dos índios do Sul do México, em Chiapas (1994), aconteceram três Encontros da humanidade pela vida e contra o neoliberalismo. Esses encontros foram fecundos e provocaram a formação de uma Assembleia Continental dos Povos que continua ativa e se reúne periodicamente.
Em 2001 começou o processo dos Fóruns Sociais Mundiais que tem insistido em manter-se como espaço de articulação e discussões, mas não de decisões. O FSM nem mesmo aceita emitir declarações ou conclusões em seu nome. Isso tem o seu sentido, para deixar esse papel para cada organização de base. No entanto, muitos militantes sentem a necessidade de buscar um instrumento que dê voz e vez a toda humanidade como um coletivo. Sem substituir os organismos de articulação regional e mesmo mundial, se trata de clarear algumas bandeiras comuns a todos. Até agora, movimentos sociais têm tomado a palavra, mas quem pode falar em nome da humanidade? Quem a representará?
A globalização atual da economia, dominante em todo o mundo, condiciona, sobretudo em um sentido mau, o futuro da humanidade e da vida. Quanto mais essa realidade se aprofunda, menos os/as habitantes da terra estarão em condições de participar das escolhas que são feitas, monopolizadas por um círculo sempre mais restrito da elite social que detém o poder, no estilo de presidentes que gritam: Em primeiro lugar, a América, em primeiro lugar, o Reino Unido ou, Brasil, acima de tudo!
É preciso que todas as pessoas cidadãs da Terra possam criar as instituições necessárias e os meios para assumir o poder de governar o seu futuro comum sobre bases pluralistas, cooperativistas e participativas a partir das comunidades locais. O bem-viver coletivo e a segurança da existência da humanidade e da vida no planeta são questões coletivas e comuns a todos.
A Ágora dos Habitantes da Terra propõe que se estabeleça um pacto social que envolva toda a humanidade, consciente dos grandes problemas que, nos dias atuais de revolução 4.0, a sociedade internacional e o planeta Terra estão atravessando.
Ainda há grupos humanos que ficarão fora dessa articulação. Só no Brasil, dizem que há mais de 60 grupos indígenas isolados. Nômades, ciganos, tuaregs do norte da África e nativos da Austrália ainda ficarão fora. Mas, é importante começar. Já será um desafio, mesmo entre os inseridos na sociedade, garantir a participação das diversas categorias de trabalhadores. É urgente dar voz aos desocupados, garantir o protagonismo das mulheres e das minorias sociais, raciais, sexuais e religiosas. Essas são preocupações das pessoas que, de diversos continentes, estão convidando os grupos e comunidades a se unirem a essa iniciativa.
Assim como a Marcha Mundial pela Paz e a Não Violência, assim como a Jai Jagat, já existentes a partir de Madri e de Rajghat e Nova Dehli que convergirão em 2020 para Genebra, trata-se de um projeto autônomo e espontâneo, que envolve pequenos grupos de pessoas ou associações decididas a se reunirem em um percurso comum de conscientização e de reconhecimento da humanidade como sujeito ator do futuro eco-integral (social-cultural, político, ecológico e econômico) da vida da Terra e sobre a Terra, assim como também deseja atingir os atores mundiais hoje reconhecidos, como são os Estados, as organizações internacionais, as empresas multinacionais privadas e até os operadores financeiros.
Alguns encontros locais e regionais têm se feito com esse objetivo. Reuniram-se diversos grupos que já militam em causas sociais, na Itália (Verona, Ligúria, Sicília e Roma), na Bélgica (Bruxelas), na França (UBC, Paris). Em agosto de 2018, houve um encontro latino-americano em Santiago (Chile). Surgiram grupos locais em Montreal (Quebec), outros no Brasil (Salvador e Brasília), na França, na Catalunha, Colômbia e oeste da África... O processo apenas começou. Houve um primeiro encontro internacional, em dezembro de 2018, no Monastero dei Beni Comuni, em Sezano, perto de Verona (Itália). Reuniram-se mais de 250 pessoas de vários continentes. Organizações internacionais se puseram em comum. Ali estavam presentes representantes do Fórum Humanista Europeu, da organização Diálogos em Humanidade, da Assembleia Europeia das Comunidades de Base e da Marcha pela Paz de Perúgia a Assis que se realiza cada ano em outubro. Da América Latina, participaram desse encontro pessoas da Colômbia, Venezuela, Argentina, Brasil e Chile. Durante todo o encontro, com uma pequena equipe de sua diocese, esteve presente Dom Luis Infanti, bispo prelado de Aysén, na Patagônia chilena, Anibal Facciendi, sociólogo de Rosario (Argentina) e um pequeno grupo de brasileiros ligados aos movimentos sociais.
Ali se aprofundou o direito universal à Água e contra a mercantilização da água. Organizações que trabalham com migrantes reivindicaram o direito de todas as pessoas à cidadania universal. Foi proposto a instituição de uma Carteira de Habitante da Terra. De fato, grupos que participam da Ágora conseguiram que municipalidades como Rosario na Argentina, duas ou três na Itália e uma no norte da África emitissem
esse documento, dado a quem, sem perder a própria nacionalidade, se identificar como habitante da Terra. É uma profecia do dia no qual ninguém mais será considerado estrangeiro ou clandestino se nasceu e se vive no planeta Terra. Africanos vindos da África do Sul e do Quênia propuseram o princípio de sabedoria Ubuntu como proposta de convivência entre culturas diversas e os latino-americanos falaram do Bem-viver indígena como novo paradigma civilizacional para toda a humanidade. A revolução 4.0 só agudiza mais a urgência desta necessidade.
Um desafio até aqui é a pouca participação de Igrejas e religiões. A causa da unidade da humanidade está profundamente ligada à fé proposta por Jesus e a uma espiritualidade como caminho de amor e de diálogo entre pessoas diferentes. Nos dias de hoje, esse caminho de aliança de toda a humanidade é um importante desafio para toda pessoa de boa vontade. O papa Francisco, na sua encíclica sobre Ecologia Integral, propôs uma aliança da humanidade a serviço da Vida. Só conseguimos nos tornar humanos/as como Jesus, se aceitamos viver uma verdadeira e profunda abertura de coração e de vida a tudo o que é humano. Por isso, os cristãos e cristãs devem sentir-se especialmente chamados/as a se unirem a toda humanidade nesse mutirão de cidadania planetária.
Na Itália, se instituiu uma Fundação de caráter internacional para coordenar o processo da Ágora dos Habitantes da Terra que, a partir deste ano (2020) se responsabilizará por realizar em todo o planeta atividades que revelem a urgência de mudar o modelo de desenvolvimento vigente no mundo. Será ao mesmo tempo o Dia da mãe Terra e o Dia
anual dos/das Habitantes da Terra. Começa-se na Europa, principalmente na França, Espanha, Portugal e Itália uma organização que pelo momento se chama OMHU, Organização Mundial dos Habitantes da Terra. Não visa substituir a ONU, mas completá-la com um organismo que possa unir cidadãos de todos os continentes e tenha condições de falar na ONU em nome da humanidade. A primeira luta com a qual todos os participantes estão de acordo diz respeito à campanha em defesa dos bens comuns da humanidade, a água, a terra, o ar, o saber, a saúde e assim por diante. Também se está propondo a elaboração de uma Carta dos Direitos da Vida, que continue o percurso já realizado pela Carta da Terra.
Quem quiser pode entrar na Agorà degli abitanti della Terra: https://audacia-umanita.blogspot.com. Em português tem: habitantesdaterra.org.