Pedro Casaldáliga, padroeiro da Caminhada da Libertação

 

A título de introdução à edição brasileira do Agenda Latinoamericana Mundial 2021

“Todos aqueles e aquelas

que tentam viver uma vida

coerente e nova,

como a aurora de cada dia,

alegrem-se com o que de novo tem feito

e ainda sempre fará

o Deus da novidade”

(Pedro Casaldáliga: Cantemos ao Deus da novidade)[1].

 Louvamos ao Deus da novidade, ao dedicar nossa Agenda Latinoamericana Mundial de 2021, em sua edição brasileira, a Pedro, nosso irmão, cúmplice dos índios, dos lavradores e de todos os trabalhadores e trabalhadoras, profeta da Caminhada da Libertação e arauto do novo mundo possível, militante da utopia. Vale lembrar que ele, juntamente com José Maria Vigil, criou este Anuário, em 1992, com apontamentos e compromissos de nossa Pátria Grande, sempre atual, sempre inquietante.

Excepcionalmente, no Brasil, depois de quase 30 anos, nos quais estávamos acostumados a ter a Agenda Latino-americana em nossas mãos como um livro a ser folheado, neste ano, ainda em consequência de tudo o que vivemos em 2020 com a pandemia do covid-19 e a quarentena, assumimos que temos de nos conformar com uma “agenda” virtual. Esperamos que, no próximo ano, possamos voltar ao modelo físico, do Livro-Agenda impresso.

Com a Páscoa de Pedro, em 08 de agosto de 2020, o mundo se despediu de um dos últimos bispos da geração dos pastores reunidos na 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Medellín, Colômbia, em 1968. O próprio Pedro não participou in loco da conferência. Naquela ocasião, acabara de chegar ao Brasil, como missionário claretiano. No entanto, foi como se ele estivesse presente em cada sessão daquela conferência, na qual, segundo Comblin, nasceu uma Igreja Católica propriamente latinoamericana, com cara dos nossos povos e sem sotaque estrangeiro. E, com Pedro, a Pátria Grande alçou voo, avançou nos outros Continentes, no testemunho de espalhar as Comunidades Eclesiais de Base.

Daquele distante 1968 até hoje, contamos, na América Latina e no Caribe, uma verdadeira “nuvem de testemunhas” (Hb, 12,1). Nestes mais de 50 anos, nossos irmãos e irmãs, Mártires da Caminhada, já ultrapassam mais de 30 mil pessoas. Pedro-Páscoa, os traz, em Galeria, Santuário dos Mártires. Alguns são conhecidos e, outros, mais: padre Josimo e Margarida Alves; Chico Mendes e irmã Dorothy; Marçal Guarani, Simão Bororo e o padre Rodolfo; Oscar Romero e Henrique Angelelli...

Nesta Agenda Latinoamericana 2021, nosso coração nos impulsiona a propor que Pedro seja considerado o santo padroeiro da Libertação. Pedro poeta, profeta, revolucionário, solidário.

Junto com ele, temos tantos outros irmãos e irmãs, desde estudantes, mártires das comunidades de base, religiosas e padres, além de bispos como Dom Helder, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Paulo Evaristo, Dom Tomás Balduino, Dom Samuel Ruiz, Dom Leônidas Proaño e outros. Entre todos eles e elas, Pedro se destaca ao assumir, como pastor, as lutas sociais do povo; participar do imenso e contínuo esforço de renovar a Igreja a partir do evangelho de Jesus; e fazer isso sem, ao mesmo tempo, deixar de se colocar como pessoa simples, pobre e inserido na base da Igreja e do mundo.

Em nosso país, enfrentamos o desafio de um Cristianismo que tende a ser, cada vez mais, pentecostal. Nesse contexto, a figura de Pedro nos ajuda a integrar – na vida, na militância, na ação pastoral, na liturgia – a dimensão carismática (e, por que não dizer, pentecostal?) da fé e, ao mesmo tempo, o caráter subversivo e politicamente revolucionário do Evangelho. É seguro afirmar: Deus passou pelo Brasil, em Pedro. Soube sempre unir a mística e o compromisso social. Às vezes, incorporava a figura de um São João da Cruz, num Cântico Espiritual, na prisão do Convento de Toledo, onde foi sepultado pelos seus próprios confrades carmelitas. Outras vezes, Pedro parecia um Che Guevara, empunhando a espada afiada do Evangelho, na defesa da justiça e da libertação do povo.

El poeta es exacto.

La poesía es exactitud.

/.../ el público ha compreendido,

poco a poco, que la poesía

es uno de los medios más insolentes

de decir la verdad. (Jean Cocteau)

Nosso Santo-Poeta é insolente. Em suas poesias, em sua vida, em sua palavra, em seu testemunho, tudo foi dito e feito com exatidão.

Não é de se espantar que, mesmo em tempos de Papa Francisco, as estruturas burocráticas das nunciaturas ainda mantêm certo domínio sobre a Igreja Católica. Por isso, podemos nos perguntar: Será que, hoje, na Igreja que vivemos no Brasil, um homem como Pedro Casaldáliga seria eleito bispo? Ao ouvir esta pergunta, alguém respondeu: Em muitas das nossas dioceses, ele não seria aceito nem para ser coroinha de paróquia, quanto mais padre ou bispo! Ao contrário, tornou-se pedra no sapato de governos, de cúrias, de agronegócios.

Diante disso, o que podemos responder é que: quem mais perde com isso, somos nós e todo o povo de Deus. Estamos mais pobres de Pedro, o Mártir que não mataram. De todo modo, nada nos resta fazer senão propor que, para além de uma canonização oficial, possamos aclamar Pedro do Araguaia, o Padroeiro da Caminhada da Libertação. Amém, Axé, Awuerê, Aleluia!

 Equipe Organizadora da Edição Brasileira

 

[1] - Cf. PEDRO CASALDÁLIGA, Orações da Caminhada, Campinas, Verus Editora, 2005, p. 14.