Preparar a Nossa Terceira Idade
Preparar a Nossa Terceira Idade
Geraldine Brake e Linda Donovan
“O idoso não é um estranho. O idoso somos nós, cedo ou tarde, inevitavelmente, mesmo que não pensemos nisso…” (Papa Francisco).
Segundo as Nações Unidas, em 2017 havia 962 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, 13% da população mundial, com crescimento anual de 3%. A Europa tem a maior proporção: 25% de idosos. Estima-se que até 2030 haverá 1400 milhões de pessoas idosas no mundo. Os 137 milhões em 2017 com mais de 80 anos triplicarão, em 2050, para 425 milhões.
Impactando a realidade, o envelhecimento é um processo universal, contínuo, irreversível, dinâmico, progressivo, decadente e heterogêneo. Até agora, inevitável. Nele ocorrem mudanças biológicas, psicológicas e sociais, resultantes da interação de fatores genéticos, sociais, culturais e de estilo de vida. Como em outros momentos da vida nos quais nos preparamos para a etapa seguinte (adolescência para a vida adulta), é importante estar atentos ao dia que certamente chegará: sermos adultos mais velhos bem mais depressa do que imaginávamos.
A velhice é uma etapa normal pela qual todos passaremos. No campo biológico, nossos órgãos e tecidos serão afetados em diferentes graus e momentos do envelhecimento. Falamos do sistema nervoso central, dos sistemas sensoriais, das funções motoras, do metabolismo e das funções vegetativas. As conquistas da ciência e o progresso da medicina contribuem para prolongar a duração da vida humana. Mas nem todos têm acesso quando deles precisamos em nossa velhice.
Um terço do nosso destino biológico está relacionado aos genes que herdamos. Isso significa que dois terços da nossa saúde têm a ver com o estilo de vida que levamos, como comemos, quanto nos exercitamos, quanto dormimos. Como em todas as fases da vida, cuidar de nós mesmos de maneira inteligente e intencional é uma grande ajuda para nos mantermos independentes e saudáveis o maior tempo possível.
É importante notar que, mesmo quando o processo de envelhecimento dos seres vivos é natural, as pessoas, conscientes de sua deterioração física e psicológica, vivem com angústia. Uma das maneiras de lidar com essa angústia é entender o que acontece conosco a partir de uma perspectiva psicológica. As tarefas podem ser divididas em quatro temas:
Identidade pessoal. Ela se manifesta em autoimagem e autoestima. As transformações e perdas que a pessoa da terceira idade sofre em todas as áreas de sua vida produzem uma crise de identidade. O desafio é manter intacto o sentimento da própria continuidade: poder viver suas experiências de perda sem alterar a imagem que têm de si mesmas, ou o nível de sua autoestima. Para superar essa crise, é essencial viver experiências válidas num contexto relacional adequado, redefinir o próprio sistema de valores, ter a coragem de mudar e integrar a riqueza das reminiscências, das memórias.
Autonomia. Essa crise é vivenciada em dois planos: físico (dependência ou independência dos outros para sobreviver) e psicológico (atributo da personalidade para se autodeterminar). Se perde a autonomia devido à deterioração da identidade pessoal, isto é, quando a pessoa deixa de ser considerada capaz de tomar decisões: diminui a iniciativa, aumenta a atitude apática, abandona-se o desejo de viver, e as decisões dos demais são aceitas complacentemente. Nós podemos ainda perder a autonomia devido à superproteção: um excesso de afeto que invalida a liberdade de decisão, ação e pensamento dos idosos. Isso produz frustração, agressividade, desânimo, raiva, depressão... Para evitar essa perda é preciso estar ciente disso, e não exagerar nos cuidados, manter a atividade física e intelectual, cuidar dos alimentos e promover um desenvolvimento espiritual adequado.
Pertença. Pertencer é fazer parte de alguma coisa, ter raízes em algum lugar, grupo, ambiente... Na terceira idade ocorre a aposentadoria, que nos afasta da atividade a que pertencíamos. Algo semelhante acontece na família: o lugar que ocupamos muda. Há idas, separações e mortes. Esses fatos podem nos levar a nos aposentar da corrente da vida, isto é, perder o interesse pelos demais, daquilo de que costumávamos gostar, pelas atividades diárias, pela própria vida. Há estudos que mostram que a solidão produz estresse e que pode ser tão prejudicial à saúde quanto fumar ou beber em excesso. Somos animais sociais e a falta de comunicação entre nós tem efeitos perigosos sobre a nossa saúde.
Cada área mencionada é exemplificada no modo de vida de um homem panamenho chamado Itália. O Itália era solteiro, morava em um bairro marginal; ele sobreviveu com pouco apoio familiar. Trabalhava em um bar e dormia no Mercado Central. No tempo da crise, pela invasão dos EUA, recebeu apoio nos hangares profissionais para as vítimas. Agora começou uma fase de transformação que o ajudou a melhorar suas condições de vida. Ele atualmente mora em uma comunidade da terceira idade, onde se sente seguro e querido. É uma pessoa alegre, carismática e grande dançarino. Embora um pouco tímido, caracteriza-se por ser uma boa pessoa, o hábito de ler o jornal pela manhã e manter sempre um sorriso no rosto. No final, o Itália foi capaz de resolver as tarefas: firmou os pilares da sua vida e identidade como pessoa digna, competente e importante, foi capaz de recuperar a independência nas decisões e poderia, à sua maneira, formar relações com um novo grupo de pessoas.
A diretora do Fundo Monetário Internacional indicou a velhice como problema econômico, para o qual as nações não se preparam. A fim de reforçar a preocupação com os idosos, há a mudança de mentalidade cultural: onde era costume valorizar os anos, agora vemos distanciamento em relação aos idosos dentro da família, chegando ao abandono nos centros hospitalares, ou pior, na mesma família. Lembremos que a solidão produz depressão e outras doenças, que custam muito dinheiro em despesas com a saúde pública. E o problema vai piorar à medida que a expectativa de vida cresce e, cada vez mais, há pessoas sozinhas. Uma verdadeira pandemia global.
Destacamos a lamentável falta de políticas de conscientização dos jovens, que não param para refletir que um dia, não tão distante, também serão idosos... É preciso se preparar para um envelhecimento com bem-estar, evitando as conotações negativas atribuídas aos idosos, como “inútil e descartável” na perspectiva capitalista da demanda produtiva.
Espiritualidade. Quando Galileu Galilei já tinha uma barba branca, alguns amigos perguntaram: quantos anos você tem? Ele respondeu: oito ou dez. Como é?!, lhe disseram. E Galileu respondeu: “os anos que eu tenho são aqueles que deixei para viver agora, aqueles que já vivi não os tenho, eles se foram”. Nessa resposta, vemos um olhar espiritual aparecendo, que transcende – ele não nega - as perdas inerentes à jornada do idoso. Essa espiritualidade deve ser construída a partir da honestidade consigo mesmo, que não permite mais as máscaras que colocamos.
As idosas e os idosos podem contribuir para o processo de humanização de nossa sociedade com os próprios carismas: gratuidade, memória, experiência, importância dos relacionamentos e visão e compreensão mais completas da vida. É a sua contribuição, o seu dom.
Voltando ao caso do Itália, vemos como ele e muitos outros escolheram viver, com grande capacidade de resiliência, em tempos difíceis e muita adversidade. Eles levaram sua atitude para um nível mais alto e transformaram a tragédia em nova vida.
A espiritualidade da terceira idade deve incluir a morte. A vida nos leva à morte como parte de um processo integral. É assim que a Mãe Terra nos ensina: na natureza tudo nasce e tudo morre dentro de uma ordem de constante transformação.
Nas palavras de Thomas Berry (1994), historiador das culturas, a morte é integrada ao processo da vida: nascemos de outros; sobrevivemos aos outros; morremos seguindo outros. Faz parte do mesmo processo de comunidade que, em resumo, é o próprio Universo. É o mundo dos vivos: nascimento, vida e morte. Não há nada que aconteça no tempo que não tenha uma dimensão eterna.
A vida, a velhice, a morte. Vivê-los com atenção, consciência e plenitude. É um desafio e uma grande causa pela qual também lutamos, nos preparando, todos os dias, a partir dos mínimos detalhes.
Geraldine Brake e Linda Donovan
Cidade do Panamá, Panamá e Santiago do Chile