Propostas de Francisco diante da desigualdade

Propostas de Francisco
diante da desigual

Resumo da Agenda Latino-americana


Este Encontro de Movimentos Populares é um sinal, um grande sinal: vocês vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos povos, uma realidade muitas vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela!

Não se contentam com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou; se chegam, chegam de maneira que vão na direção de anestesiar ou domesticar. Isso é meio perigoso. Vocês sentem que os pobres já não esperam, mas querem ser protagonistas; se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam a solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer.

Este Encontro nosso não responde a uma ideologia. Vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades, como as que mencionei e muitas outras que me contaram... Têm os pés no barro e as mãos na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta! Queremos que se ouça a sua voz, que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas, sem a sua presença, sem ir realmente às periferias, as boas propostas e projetos que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais ficam no reino das ideias.

Não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, reduz-se o outro à passividade, nega-se ele ou, pior, escondem-se negócios e ambições pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas. Como é lindo, ao contrário, quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança.

Este nosso Encontro responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe deseja para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, moradia e trabalho. É estranho, mas, se falo disso para alguns, significa que o papa é comunista.

Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, moradia e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é o Ensino Social da Igreja.

Terra Preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sofrem o desenraizamento e não por guerras ou desastres naturais. A apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal.

A outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma Reforma Agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, “a Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral” (CDSI, 300). Por favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra.

Em segundo lugar, moradia Disse e repito: uma casa para cada família. Hoje há tantas famílias sem moradia porque nunca a tiveram ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas.

Terceiro, trabalho. Não existe pior pobreza material – urge-me enfatizar isto –, não existe pior pobreza material do que aquela que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho. O desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos trabalhistas não são inevitáveis, mas o resultado de uma prévia opção social de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem, se o lucro é econômico, sobre a humanidade ou sobre o homem. São efeitos de uma cultura do descarte, que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado fora. Hoje, ao fenômeno da exploração e da opressão, soma-se uma nova dimensão, um matiz gráfico e duro da injustiça social; os que não podem ser integrados, os excluídos são resíduos, “sobrantes”.

Desde já, todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma remuneração digna, à segurança social e a uma cobertura de aposentadoria. Aqui há papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes, costureiros, artesãos, pescadores, camponeses, construtores, mineiros, operários de empresas recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalhadores de ofícios populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos quais é negada a possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda adequada e estável. Hoje, quero unir a minha voz à sua e acompanhá-los em sua luta.

Neste Encontro também falaram da Paz e da

Ecologia. É lógico: não pode haver terra, não pode haver moradia, não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta. São temas tão importantes que os Povos e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só nas mãos das lideranças políticas. Todos os povos, todos os homens e mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons preciosos: a paz e a natureza.

Um sistema econômico centrado no deus dinheiro também precisa saquear a natureza para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente. As mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos grandes cataclismos que vemos, e os que mais sofrem são vocês, os humildes, os que vivem perto das barrancas, em moradias precárias, ou que são tão vulneráveis economicamente que, diante de um desastre natural, perdem tudo.

Falamos da terra, de trabalho, de moradia, etc. Falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza. Mas por que, em vez disso, nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza? Porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença! Globalizou-se a indiferença. O que me importa o que acontece com os outros, desde que eu defenda o que é meu? Porque o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado.

Alguns de vocês expressaram: esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro, e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos. É preciso fazer isso com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência. E entre todos, enfrentando os conflitos sem ficar presos neles, buscando sempre resolver as tensões para alcançar um plano superior de unidade, de paz e de justiça.

Assim, parece-me importante a proposta que alguns me compartilharam, de que esses Movimentos, essas experiências de solidariedade que crescem a partir de baixo, a partir do subsolo do planeta, confluam, estejam mais coordenadas, vão se encontrando, como vocês fizeram nestes dias. Atenção, nunca é bom enquadrar o Movimento em estruturas rígidas. Por isso, eu disse “encontrem-se”. Também não é bom tentar absorvê-lo, dirigi-lo ou dominá-lo; Movimentos livres têm a sua dinâmica própria; mas, sim, devemos tentar caminhar juntos. Estamos neste salão, que é o salão velho do Sínodo. Agora há um novo. E Sínodo significa precisamente “caminhar juntos”: que esse seja um símbolo do processo que vocês começaram e estão levando em frente.

Os Movimentos Populares expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal. A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que incluam os Movimentos Populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais, com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor.

Eu os acompanho de coração nesse caminho. Digamos juntos, com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá. Sigam com a sua luta.