Quando a China despertar

Quando a China despertar

Daniel CEREZO


Neste início do milênio o momento se apresenta particularmente significativo, já que neste ano 2002 terá lugar o relevo da cúpula comunista com uma injeção de sangue novo na direção do país. Ela conduzirá a nave do país nesta próxima década. O rumo da mesma será ditado por elementos internos e externos da mesma China.

China está na antesala de sua entrada no empório econômico da WTO (Organização Mundial do Comércio) e numa aproximação paulatina dos âmbitos do poder mundial ainda que isto traga custos dolorosos especialmente para os mais de 800 milhões de componeses que vivem nas zonas rurais, vítimas dos impostos governamentais que os afogam, deixando-os ao desemparo. Desta forma aumenta o número dos desempregados devido em grande parte ao fechamento das fabricas e empresas estatais que estão quebrando. Isto trouxe consigo revoltas sociais e manifestações antes desconhecidas . Ativistas sindicais confirmaram que em 1999 houve mais de 200.000 manifestacões de trabalhadores por questões de desemprego.

Uma sociedade em ebulição

Tentando sair túnel do esquecimento, do ostracismo e da obscuridade das décadas passadas, há um setor da sociedade que busca reformas políticas como solução aos problemas endêmicos, mas o povo chinês mais que por reformas políticas se interessa em que suas vidas melhorem social e economicamente. Para o cidadão chinês o que interessa hoje é ter um trabalho seguro num país onde os desempregados vão aumentando, um trabalho que possa permitir acesso à segurança social, à educação e a uma moradia, algo que até há pouco tempo o Estado provia . Hoje em dia as coisas mudaram e até os meninos na escola tem que pagar mensalidades acadêmicas.

A cultura se ressente de forma particular e ainda que o confuci nismo esteja enraizado na mente e no coração do povo chinês, sem dúvida o processo de modernização está tendo grandes repercussões culturais. A abertura da China ao mundo está trazendo mudanças imprevisíveis no coração da cultura e sobretudo nas gerações jovens, para as quais o ocidente é atraente , e o desejo de muitos é estudar fora do país. Mesmo os primeiros líderes chineses são os primeiros a enviar seus filhos para estudar no estrangeiro, ainda que depois critiquem a cultura ocidental como raiz de todos os males que atacam a China.

A China é uma sociedade em plena ebulição, algo assim como uma panela de pressão, açoitada pelo fogo das reformas econômicas, a abertura ao exterior e a corrupção como mal endêmico nas categorias partidárias. De fato a porcentagem de suicídios na China é maior que em nenhum outro país.

Outro fenômeno é o das massas de migrantes em busca de um melhor porvir nas zonas costeiras. É resultado de que de fato os camponeses, ainda que sendo os artífices da revolução comunista de 49, não chegaram nunca a desfrutar do mel do prometido paraiso na terra proclamado por Mao. Não só isto, mas que viram a diferença abismal reconhecida pelo mesmo governo, entre as zonas rurais e as urbanas.

O desafio de controlar uma sociedade mantendo um férreo controle sobre os meios de comunicação social e o sistema educativo, e como afrontar problemas como mortalidade infantil, o papel e o lugar da mulher na sociedade, a Aids, a droga e a máfia... são problemas sem solução na agenda do governo.

Unidade nacional e estabilidade a todo custo

Os fantasmas que rondam a China se resumem nos «três T»: Taiwan, Tiananmen e Tibete.

São três feridas que talvez purgam no corpo inerme do dragão amarelo e três sintomas de enfermidade.

As tensões com Taiwan continuaram, porque há muito em jogo, e sua independência nunca será uma opção, a não ser pela força. Sua independência nunca será aceita pela China, já que isto traria um caos geral e a guerra civil estaria pronta, com a possibilidade de que as outras 55 minorias étnicas seguissem o mesmo caminho.

Particularmente é complexa por outra parte, a situação na região do Tibete e nas províncias islâmicas do Nordeste da China com movimentos independentistas, nas zonas de Mongólia Interior, os Uighurs e outros grupos islâmicos.

Neste sentido há forças que apontam em direções independentistas: o norte que rege e comanda, o sul econômico e rebelde, as zonas costeiras ricas e a zona interior montanhosa pobre. Daí que as autoridades continuam martelando sobre a unidade nacional e o nacionalismo já expresso no bombardeio da Embaixada na Iugoslavia e quando desejam que haja um motivo para promover tão desejada unidade.

Os acontecimentos sangrentos na Praça de Tiananmen continuam presentes na mente do povo chinês, já que a manifestação estudantil não só proclamava uma democracia para o país, mas a erradicação da corrupção nos âmbitos de governo, algo que o governo jamais aceitou. O exército chinês massacrou seu próprio povo.

A China não encontrou uma forma de assimilar o Tibet de forma pacífica, o que complica constantemente a posição é o prestígio do governo na arena internacional.

As reformas econômicas dos anos 80 ocasionaram uma queda na economia e nas condições e costumes de vida das pessoas. Desde então, uma nova classe média surgiu enquanto aqueles com menor nível educativo se viram da noite para o dia na rua. O desmantelamento do sistema produtivo estatal abriu o caminho à China do futuro, ainda que com oposição dos trabalhadores. Em toda esta situação, os anciãos e os camponeses são os que levam a pior parte. Ainda hoje há pelo menos de 100 milhões de componeses abaixo do nível mínimo de pobreza, estimado pelo governo chinês em 100 U$.

Dados da China

Línguas mais importantes: chinês, mandarim (língua oficial), cantonês, yue, hakka, minnan...

Minorias étnicas: Han (Chineses) 91,96 % , chuang: 1,37%; manchu: 0,87%; hui: 0,76%; miao: 0,65%; yi: 0,58%; outros: 3,72%.

Afiliação religiosa: sem religião: 51,9%; tradicional china 20,1%; ateus: 12,2%; budistas: 8,5%; cristãos: 6%; muçulmanos: 1,4%; outros: 0,1%

Unidade monetária: 1 renminbi (yuan). 1 US$ = 8,28 yuan.

Demografía: População (1998): 1.242,980.000

Densidade de população (1998): 130 pessoas por km2

Zona urbana-rural (1997): 32% urbana, 68% rural

Distribuição por sexos(1995): 51% masculino, 49% feminino.

Esperança de vida (1997): 68 anos os homens; 72, mulheres.

Indicativos sociais:48 horas semanais de trabalho

Economia: entrada anual média por família é de U$ 1.396

Alfabetização (1995): 81% da população maior de 15 anos.

Saúde: um médico por cada 628 pessoas, uma cama de hospital por 384 pessoas. Mortalidade infantil (1997): 39 por mil.

Exército (1997): pessoal ativo 2,840.000.

Características principais da cultura chinesa

1. Forte sentido de família. Sentido de identificação e pertença ao clã muito acentuado. A família absorve o indivíduo, que encontra seu sentido de ser dentro dela. O sentido da família é o maior valor do povo chinês.

2. A importância de «guardar a face», aparência . A importância da paz e harmonia é um elemento que impregna todas as relações humanas. Perder a paz é o pior que pode ocorrer a um chinês. E para «resguardar a face», autocontrole e não perder a compostura. O chinês comunica com a mente, não com o coração, ou tem o coração na cabeça.

3. A harmonia diante da verdade. A norma de ouro é «não ferir a sensibilidade do outro». Delicadíssimo trato social, com frases diplomáticas e até artificiais. Sacrifica-se a verdade no altar da harmonia das relações humanas. Relativizam-se bastante as coisas. Não há verdade imutável, mas múltiplas interpretações : o que parece evidente hoje não o é amanhã.

4. Primazia do papel da autoridade. A sociedade chinesa desde tempos imemoráveis foi estruturada de forma piramidal dando grande importância à autoridade. Respeita-se a pessoa não tanto como tal, mas pela posição que tem na sociedade e por sua autoridade dentro da mesma.

5. Sentido de modéstia e de humildade. Apreciam muito as atitudes humildes. O que alardeia e ostenta de forma pública perde por si mesmo aparência. Na pintura tradicional chinesa dificilmente a pessoa será protagonista principal.

6. Culto aos antepassados: o eixo em torno do qual giram a maioria das expressões religiosas do povo chinês, tanto local como do clã.

7.Sentido de reciprocidade nas relações inter-pessoais: um favor sempre será lembrado e será feito de tudo, para que se possa retribui-lo.

8. Sentido aguçado e capacidade de observação.

Daniel CEREZO

Macau