Que é o imperialismo

Que é o imperialismo

François Houtart


Historicamente, o imperialismo é a dominação políti-ca de um Estado sobre vários outros para estabelecer uma hegemonia política, econômica, cultural. Existem muitos exemplos no transcorrer dos séculos: o império de Asoka na Índia, que se estendeu desde o Afeganistão até a Indonésia; o império Romano sobre o Mediterrâneo e Europa central; o império Inca no centro do continente americano; o império de Carlos Magno na Europa; da Espanha depois da “conquista”; o da França de Napoleão e outros.

A partir do início do século XIX, a função econômica se torna predominante, porque ela corresponde à lógica mesma do capitalismo, que busca o controle das maté-rias-primas e dos mercados. Contudo, seu caráter nacio-nal é central neste período, e é a Grã-Bretanha o protó-tipo deste tipo de imperialismo. As conquistas colo-niais da África, em particular, foram características da partici-ção do Sul entre as zonas de influência e explo-ração.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA tomaram a liderança do imperialismo, com uma certa competitivi-dade com os outros dois outros pólos da tríade: Europa e Japão.

A análise do fenômeno teve seu desenvolvimento. Carl Marx já assinalou em O Capital a tendência à con-centração do capitalismo, o que implica necessariamente sua tendência em adquirir um caráter internacional. Em sua obra de 1904, O Imperialismo, J. A. Hobson estabe-leceu a diferença entre o capitalismo de livre comércio que caracterizou o século XIX, com bases predominante-mente nacionais, e o capitalismo de monopólio, que se desenvolveu depois com exigências de dominação inter-nacional. R. Hilferding, em 1910, insistiu no caráter crescente do capital financeiro e sobre a importância do Estado para apoiar o desenvolvimento capitalista. Rosa Luxemburgo estudou o expansionismo e a agressividade dos grandes poderes, desembocando no militarismo, tudo isso em função da lógica da acumulação do capital.

Evidentemente, é Lênin quem publicou o livro mais conhecido: O imperialismo, fase superior do capitalismo – Ensaio de divulgação, em 1917. Explicou o imperialis-mo como o resultado da fase monopolista do capitalis-mo: mais e mais concentração e cartéis para apropriar-se dos recursos do mundo; exportação de capitais e não somente de mercadorias; parasitismo das burguesias; exploração das nações oprimidas. Insistiu sobre a vincu-lação entre o sistema econômico predominante e os problemas políticos da época, em particular a guerra.

Na atualidade, o imperialismo significa a articulação de todas as partes do mundo em um sistema mundial único, caracterizado pelas desigualdades de desenvolvi-mento, desigualdades não em função do que alguns chamam de um “atraso” de certas nações diante do dinamismo de outras, senão como exigência da lógica mesma da acumulação do capital (o intercâmbio desi-gual). É o que Samir Amin, um economista egípcio, chama de “imperialismo coletivo”, constituído pelas grandes empresas multinacionais, muitas vezes com capital de várias partes do mundo.

Diante da tendência – típica do sistema capitalista – de uma degradação da taxa de lucro (que Marx já havia assinalado), a saída é encontrar sempre novas fronteiras de acumulação do capital. Durante muito tempo, isso significou conquistar territórios. Hoje é diferente, e por isso o capital não se opôs à descolonização. Hoje, o papel do capital financeiro é predominante. A extração do subproduto se faz por meios financeiros (pagamento do serviço pela dívida, taxa de juros, paraísos fiscais, etc.) ou jurídicos (regras da Organização Mundial do Comércio, programas de ajuste estrutural, estabelecimento de “zonas de livre comércio”, como a ALCA...). Nunca antes, mesmo durante o tempo mais difícil da colonização, as metrópoles do Norte extraíram tantas riquezas de suas periferias do Sul como na atualidade.

Contudo, o capital deve apoiar-se no Estado para garantir sua estabilidade, assegurar o respeito da propriedade e dos lucros, criar condições favoráveis à acumulação, como a isenção de impostos, o estabeleci-mento de infraestruturas, a formação da mão-de-obra, a redução de seu preço, etc. Isso se verifica em particular nos momentos de crise, onde se favorece o dirigismo político, até as ditaduras, e a militarização (bom meio de corrigir as crises de consumo e de superprodução, sem falar da função muito positiva da fabricação de armas, maneira de fazer fundos públicos passarem para mãos privadas). Ante a internacionalização dos processos econômicos, as grandes instituições financei-ras como o Banco Mundial e o FMI exercem hoje um papel similar, a serviço do projeto neoliberal.

Hoje, são os EUA que, como única superpotência mundial, assumem este papel em escala internacional, sendo a “globalização”, precisamente, a fase superior do desenvolvimento do imperialismo. Os EUA, não somente arbitram a maioria das empresas multinacionais, senão que dominam politicamente as instituições financeiras internacionais (direito de veto com 17% dos votos), negam-se a aprovar a maioria dos tratados internacionais (Kyoto, a propósito do clima, a Corte Penal Internacio-nal, as minas explosivas, o trabalho de crianças, a proibição de armas químicas e biológicas, etc.) e têm bases militares em 121 países do mundo.

A guerra no Iraque é um produto direto do imperia-lismo. O controle dos recursos naturais, petróleo e gás (Oriente Médio, Ásia Central, o Leste da África, Bolívia) minerais (África Central), biodiversidade (América Cen-tral, Amazônia), água e oxigênio... são uma necessidade para a produção capitalista. As lutas contra o terrorismo, o narcotráfico, o despotismo... servem de pretexto (útil) para justificar as empresas imperialistas.

Todavia, há mais na fase atual da construção do império norte-americano. O documento do PNAC (Projeto para um Novo Século Americano: http//www.newamericancentury.org) é bem explícito a este propósito. Publicado em 1997 e completado em 2000, este plano é fruto da constatação de que os EUA são a única potência mundial e que por isso têm o dever moral de estabelecer «uma hegemonia benévola» sobre o mundo. Somente os EUA podem determinar quem são os bons e os maus. Não podem permitir que nenhuma outra nação, ainda que regional, seja uma potência rival.

Por isso, os EUA devem aumentar seu armamento e seu orçamento militar, desenvolver uma nova geração de armas nucleares, fazer das Forças Aéreas uma força de primeiro disparo no mundo. Para estabelecer a “Pax Ameri-cana” devem construir bases sólidas e indiscutí-veis, o que vai exigir, segundo o documento, um longo proces-so, a menos que ocorra um evento catastrófico e catalisador comparável ao ataque de Pearl Harbor.

Era uma visão quase profética! O PNCA foi a obra de um pequeno grupo neoconservador, um “think thank” minoritário. Mas agora é este grupo que está no poder com a administração de George W. Bush. Assinaturas que encontramos na base deste documento são: Dick Cheney (vice-presidente), Donald Rumsfeld (ministro da defesa), Paul Wolflwiitz (vice-secretário da defesa).

A intervenção no Iraque já estava planejada desde antes de 11 de setembro. As mentiras para legitimar a militarização do império estavam bem pensadas: armas de destruição em massa, compra de urânio na Nigéria, vinculação entre Sadam Hussein e Bin Laden...

Hoje, mais do que nunca, o imperialismo é «o estado mais avançado do capitalismo», ou do neoliberalismo armado, e vemos que se manifesta em guerras reais, com seu cortejo de horrores e barbaridades. Por isso, é muito estranho constatar o êxito do livro de Michael Hardt e Antonio Negri, O império, dentro de uma parte da esquerda latino-americana.

O mundo atual, conforme esta perspectiva, vive um «império sem imperialismo», como diz Atílio Boron, diretor de CLACSO, ao qual se opõe “a multidão” como um contra-poder, como fonte de resistência. Se é verdade que as resistências ao modelo dominante se multiplicaram durante os últimos anos (resistências das quais o Fórum Social Mundial de Porto Alegre é uma expressão importante), não se deve esquecer que o império utiliza a força e a violência para impor seus objetivos. Atílio Boro relembra a história recente das ditaduras na América Latina, o embargo a Cuba, a guerra no Vietnã, as contra-revoluções na Nicarágua, El Salva-dor e Guatemala, o golpe de estado na Venezuela, a guerra contra Afeganistão e Iraque...

É verdade que os meios militares e políticos do império agora são enormes. O modo de enfrentá-los deve ser talvez bastante diferente de como foi antes. No entanto, devemos estar conscientes de que ele também está debilitado, e que pode ser derrotado. Vemos isso no Iraque, de maneira inesperada para um império que sofre de um pensamento linear, típico do cinismo das classes dominantes que crêem que tudo lhes é permitido desde que sirva aos seus interesses. Mas esta debilidade provirá, antes de tudo, das forças de resistência, e estas devem organizar-se. Que seja numa luta política (contra a ALCA, por exemplo) ou numa luta armada, não depende delas, mas das circunstancias nas quais se encontram e que, evidentemente, deverão julgar com muito discerni-mento para não servir de pretexto fácil ao império e nem para se autodestruir.

Hoje, devemos construir coletiva-mente, no âmbito mundial, um novo pólo, com todos os grupos vítimas da acumulação do capital (do império), um pólo capaz de representar uma força real, fundamen-tada numa visão humanista, ética e espiritual do mundo, sobre uma análise em termos de interesses opostos, sobre compromissos de uma transformação profunda e não de uma simples acomodação – o imperialismo não pode ser humanizado– e sobre estratégias de curto e longo prazos.

 

François Houtart

Lovaina, Bélgica