RECONHECENDO A NOSSA NATUREZA CELESTIAL

 

Marlon Duriettz

Somos filhos e filhas da luz primordial, que deu lugar a intermináveis cachoeiras cósmicas que desembocam num interminável oceano de partos de galáxias. Neste instante, somos uma manifestação dessa história cósmica, junto a milhares de milhões de galáxias que não conhecemos e que contêm muitíssimas formas de vida geradas, e outras ainda em gestação, também ainda desconhecidas.
É esta imensidade, do cosmos em movimento e recriação, o que impossibilita alcançar todo o conhecimento sobre a vida e o universo e, ainda mais, nem sequer podemos conhecer amplamente o universo acessível aos nossos sentidos, pensamento e conhecimentos. Têm sido grandes os esforços, durante séculos, para compreender a nossa natureza e só conseguimos ter acesso a uma ínfima parte; sem dúvida, a partir deste pequeno entendimento, como espécie humana, temos formulado paradigmas de pensamento que, de maneira soberba, imperaram como modelos, muitas vezes limitando a nossa visão da realidade e, por consequência, a ideia de quem somos e da nossa natureza, afetando assim as formas através das quais nos relacionamos com as demais pessoas, espécies e ecossistemas.
Com o avançar do tempo, em todos os povos e culturas têm surgido e desaparecido paradigmas que criam e recriam as visões da realidade, impactando, uma vez ou outra, com a concepção da nossa natureza, do nosso ser, decidir e agir. Esta dinâmica não se concluiu, e nem é possível encontrar uma resposta acabada neste cosmos dinâmico e incerto, e, sem dúvida, é necessário continuar a procurar sentido, nos atuais tempos caóticos; e, assim, ao retornar e ver-nos desde dentro como espécie, tropeçar ao longo do caminho até a luz primordial, como uma partícula extraviada no seu retorno ao sol.
Na antiguidade, aos albores do que hoje chamamos de cultura ocidental, alguns filósofos do mundo grego, embora sem ser os únicos, refletiram sobre a origem da vida, do universo e do ser humano, chegando a construir consensos teóricos que foram capazes de fornecer-nos ideias para organizar a sociedade. Foi assim que surgiu a visão geocêntrica do universo de Ptolomeu, que proclamou o “homem”, num sentido de soberba, como figura central da criação divina, desenvolvendo uma atitude de “senhorio” atroz sobre a natureza e todas as espécies, pensamento dominante da cosmovisão do mundo, ao longo de muitos séculos, e que deu espaço a uma época durante a qual apareceram personagens que se achavam semideuses e que dominaram o mundo antigo. Mil anos depois, Copérnico introduziu o modelo heliocêntrico, inaugurando assim uma etapa de revolução científica, que rompe com a visão geocêntrica de Ptolomeu e que logo foi superada por Isaac Newton, com o seu mecanicismo, e que, junto a Descartes, inicia a época do racionalismo ocidental, do qual se nutre o pensamento capitalista.
O racionalismo mecanicista realizou uma ruptura na compreensão da natureza humana. Segundo esta forma de ver, é que a natureza é como um mecanismo de relojoaria, onde tudo está dividido, divorciando assim o ser humano da sua entrelaçada história cósmica, que partilha com todas as espécies, incluindo a Mãe Terra e os demais corpos celestiais.
O “eu” ficou como partícula extraviada da explosão cósmica, separada do universo, e esta visão, cheia de incapacidades dialógicas, implica relacionarmos com a natureza e demais membros da nossa espécie de maneira diferente, violentamente, com desprezo da vida e da dignidade, com muito desamor, característica própria do modelo capitalista neoliberal.
O caráter mecanicista está presente no desenvolvimento da nossa civilização ocidental, na construção e consolidação das nossas instituições em geral, as quais se encarregam de produzir e reproduzir nossa cultura, de tal modo que tudo o que nós pensamos, sentimos e fazemos, desde a nossa ideia de natureza e do “eu” – ergo sum -, está afetada por esta visão epistemológica, adquirida por meio dos vários
espaços de socialização, num cenário capitalista, entre os quais: a família, a escola, o estado e o mercado.
Hoje sabemos que temos criado um mundo consumista com a característica de um modelo cultural, onde se acredita na ilusão que, sobre um planeta limitado, seja possível um crescimento ilimitado. Isto é, um modelo de desenvolvimento que superexplora os recursos naturais de um mundo finito, sem reparar nas consequências, um modelo capitalista baseado nas ideias cartesianas e newtonianas da natureza, com um “pensamento sacrílego na relação com a mãe terra”.
Sabemos que a cultura e o conhecimento ocidental capitalista neoliberal são limitados e arrogantes, o que tem provocado rachaduras catastróficas ao bater contra o interesse do mercado e a acumulação de capital, depredando a natureza e empurrando-nos a uma crise planetária que ameaça a sobrevivência humana. É nesta visão mecanicista do mundo na qual podemos perceber a base dos nossos problemas; por isso se faz urgente uma mudança na visão do mundo.
Esta crise parece confirmar que, pensar o mundo como uma máquina, nos tem afastado muito do cosmos, nos transformou nesta partícula extraviada, cega diante da realidade da nossa natureza indivisível e dinâmica junto ao universo. Nem sempre estamos conscientes de que nós somos originários da explosão cósmicas e que compartilhamos uma história solar com as demais espécies do planeta que, de forma igual à nossa espécie humana, estão em evolução.
Este século XXI entra com novos pensamentos, que expõem outras formas de compreender a realidade, que procuram superar as ideias hegemônicas existentes; está se produzindo o desenvolvimento de novas aprendizagens que aproveitam das experiências e conhecimentos existentes e que foram excluídos na lógica do racionalismo e do mecanicismo, para poder fundir-se com estes e fazer uma síntese. A humanidade assiste a uma nova revolução do conhecimento, que tem impacto sobre os novos saberes científicos e a tecnologia, dando espaço a uma visão do mundo caracterizada por ser ecológica, orgânica e holística. Está-se escutando, apreendendo a linguagem originária, que permite voltar a dialogar com divindades esquecidas, voltando a entender sua sabedoria milenar. Se traz o passado ao presente e se revisam os saberes, abrindo espaço para a construção de ideias que vão sintetizando, recriando a vida e a humanidade, gerando esperança no presente e no futuro. Novas práticas justas e democráticas vão emergindo em diversos países latino-americanos e caribenhos; assim como em outras latitudes não ocidentais.
Vai se despertando uma consciência planetária que vai além da visão antropocêntrica e capitalista, reconectando os pontos soltos entre as pessoas e o cosmos. Aos poucos, se retomam os conhecimentos e a sabedoria popular milenar que foi marginalizada pela racionalização limitante do pensamento. Vão se fundindo os conhecimentos das civilizações milenares de todo o planeta com os do mundo ocidental, criando novos prismas-sínteses do conhecimento e práticas que se sintonizam com o universo multiforme, a realidade multipolar.
Emerge com força, entre os povos do mundo, uma espiritualidade de amor e consciência cósmica criativa, reconhecendo a diversidade de formas de ver, pensar, sentir, agir, falar, tendo como centro a vida na sua totalidade. Assistimos, então, a uma ruptura de modelos limitantes e opressores, dando espaço a uma visão holística, complexa, sistêmica e integrativa da realidade, e é esta visão da natureza que nos desafia a repropor o nosso reencontro do ser, projeta uma crise evolutiva da ideia do eu mecânico e propõe um retorno do fóton às suas origens, reconectando-nos com o cosmos. O reino de amor e a justiça já anunciados pelo Nazareno.