Revolução 4.0: nova forma de dominação colonial

 

Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Para entender o que representa a Revolução 4.0 para os países de Nossa América penso na catástrofe sofrida pelos povos originários quando, de repente, homens vindos do mar e vestindo armaduras metálicas impuseram sua dominação por meio de armas de fogo. Aqueles povos tinham seus guerreiros, gente valente que não temia morrer em defesa de sua aldeia e seus parentes, mas foram praticamente imobilizados pela surpresa e pelo medo. Tudo me leva a pensar que as inovações tecnológicas das duas primeiras décadas do século XXI trazem embutidas uma nova e terrível arma de guerra que precisa ser compreendida para não vermos derrotado nosso projeto de sociedade justa e pacífica em comunhão com as outras espécies vivas. Trata-se dos instrumentos da guerra de quarta geração ou guerra híbrida.

Há milênios a guerra é uma combinação de estratégias destinadas a destruir ou pelo menos neutralizar um governo ou regime hostil. É evidente que a definição de poder hostil tem por referência unicamente os valores ou interesses do antagonista que promove a guerra. Independentemente de haver ou não hostilidade recíproca, um país definido como “poder hostil” passa a ser alvo de guerra até que conforme seu regime aos interesses e valores do vencedor. Só assim cessam-se as hostilidades e se estabelece um armistício ou um tratado de paz. A novidade deste século é o tratamento da informação com metodologia racional e sistemática, associada a experiências empíricas, para emprega-la como arma de combate ao “poder hostil”. Os meios criados pela informática elevaram sua capacidade de destruição a um patamar antes inimaginável.

Esse uso da informação como meio de enfraquecimento do regime “hostil” pode ser comparado ao hacker que introduz um vírus num sistema informático. O processo é complexo: partindo do fato que as pessoas tendem a dar crédito às informações que elas desejam que sejam verdadeiras, trata-se de produzir informações parcialmente verdadeiras - pós-verdade - ou claramente falsas - fake-news - que sejam plausíveis para quem as recebe. Essas informações são veiculadas pela combinação da grande mídia - TVs, rádios e jornais -, mídias digitais via internet como whatsapp, facebook e twiter e

instituições revestidas de credibilidade, como Igrejas cristãs, ONGs ou institutos de pesquisa. O fato de a pessoa receber a mesma informação de mais de uma fonte reforça enormemente sua credibilidade. Enfim, divulgam-se também informações que desqualificam outras fontes como sendo comprometidas com o stablishment ou corrompidas. Ao receber uma notícia ou informação que deseja ser verdadeira, a pessoa trata de passar adiante essa notícia para outras pessoas de sua rede de relacionamentos.

Assim a informação vai-se reproduzindo como vírus até bloquear o equipamento infectado.

Essa forma de guerra ideológica tem por objetivo fazer que um ou mais setores da sociedade “hostil” se rebele contra o regime e abale sua legitimidade. Moralmente debilitado, bastará uma ofensiva (militar, política ou judicial) para liquidar o “poder hostil”.

Diante dessa forma de guerra ideológica, de pouco serve nossa indignação ética contra a pós-verdade e fake-news: ou aprendemos a combatê-las, ou seremos facilmente derrotados pelas armas ideológicas como as produzidas por Steve Bannon e outros manipuladores de opinião a serviço da extrema-direita e do liberalismo de mercado.

Antes que a suspeição de teoria conspiratória dificulte a compreensão dessa realidade, é preciso ter claro que a guerra de 4ª geração não é o resultado de decisão tomada em alguma assembleia secreta por dirigentes de fundações, empresas petrolíferas, bancos, ONGs, agentes da NSA, FBI, embaixadores, procuradores e Secretários de Estado. Tampouco teria um comando centralizado na CIA ou alguma agência governamental dos EUA. Ela é o resultado objetivo de diferentes fluxos de dinheiro, de poder ou de conhecimento, que se conectam direta ou indiretamente em laços de retroação, conformando uma grande rede. Cada ator – no campo econômico, político, cultural e militar – age tendo em vista apenas seus interesses particulares ou da instituição que representa. Recursos governamentais ou de fundações privadas são canalizados para o treinamento de atores locais que aprendem a atuar em parceria com atores dos EUA na aplicação de suas normas e leis, no emprego de suas técnicas ou na difusão de seus valores ou visão de mundo. É a conexão desses fluxos - materiais, de poder e conhecimento – em laços de retroalimentação, que faz surgirem atores, singulares ou coletivos, como nodos dessa rede.

Assim como surgem, os nodos podem ser desligados após gerarem os resultados esperados, simplesmente pelo corte do fluxo de recursos, de poder ou de informação que os alimentava. (Adaptação livre do que diz Euclides Mance em O Golpe: www.euclidesmance.net/docs/o_golpe.pdf).

Esse método de guerra foi decisivo para a derrubada do governo de Dilma Rousseff, em 2016. Não se tratou apenas de um golpe, mas uma verdadeira intervenção estrangeira no Brasil, embora o país não tenha sido classificado como “poder hostil” pelo governo dos EUA. Explica-se: estava em jogo o monopólio da exploração do petróleo pela Petrobrás

e o alinhamento do Brasil com os BRICS (sob a liderança da China e Rússia), políticas objetivamente contrárias aos interesses dos grupos petroleiros e financeiros dos EUA. Removido da presidência da República o Partido dos Trabalhadores, e colocado em seu lugar governos favoráveis à exploração do petróleo por empresas privadas e de política externa alinhada à política dos EUA, cessou a guerra de 4ª geração contra o Brasil.

A experiência do Brasil indica ser hoje a Venezuela o principal alvo da guerra de 4ª geração promovida pelo governo dos EUA contra regimes “hostis”. No caso, essa forma de guerra é reforçada pelo bloqueio econômico imposto pelo governo dos EUA, que estrangula a economia venezuelana. A meteórica ascensão de J. Guaidó, desconhecido suplente de deputado que foi eleito presidente da Assembleia e logo depois reconhecido como presidente da República pelo governo dos EUA e vários governos aliados, só pode ser explicada por uma intervenção externa para canalizar a oposição a Maduro. Os

apagões de eletricidade, provavelmente provocados por ataques cibernéticos, sinalizam que a guerra vai continuar e intensificar-se.

Fosse a Venezuela produtora de cacau ou açúcar, poderia sonhar com a autonomia na condução de seu destino, como Cuba. No meio da feroz competição mundial por energia e minérios, porém, tudo indica que os ataques só tendem a aumentar. Seus aliados mais poderosos – Rússia, Turquia, Irã e, em menor grau, China – estão do outro lado do Atlântico, enquanto seus inimigos são seus vizinhos ou se encontra nas mesmas costas do Golfo do Caribe. O exemplo da Síria merece ser considerado: seu regime sofreu o mesmo ataque de 4ª geração, mas a Rússia é sua vizinha e não permitiu que fosse derrotado e substituído por um governo favorável aos EUA. A solução a ser encontrada pela Venezuela para sair da crise em que foi colocada será muito importante

para aprendermos a lidar com essa nova forma de guerra e construir um mundo onde reinem a Paz e a Justiça.

Para concluir, convém prestar atenção ao que pode acontecer na Amazônia. No atual contexto de competição pela supremacia mundial, suas reservas de água, minérios e biodiversidade são objeto de cobiça das grandes potências. Há sinais de que será ela o próximo alvo da guerra de 4ª geração, o que seria um grave desastre não somente para Nossa América mas para todo o mundo.

Por isso, é necessário desenvolver as pesquisas sobre a guerra de 4ª geração porque ela é parte integrante da Nova Sociedade da Revolução 4.0. Enquanto não tivermos instrumentos de análise suficientemente elaborados para entendê-la, seremos alvos fáceis de seus ataques ideológicos. A experiência do Brasil, econômica e politicamente

quase destruído, embora se constate a vitalidade da população derrotada - classes trabalhadoras, povos originários, grupos de defesa dos Direitos Humanos e outros - deve estimular mais estudos sobre o tema, para que o mundo do século XXI não seja

dividido pela cortina de ouro que divide a espécie humana entre uma minoria riquíssima e uma massa miserável.