Salvar a biodiversidade para salvar a Humanidade

Salvar a biodiversidade para salvar a Humanidade

Dani BOIX i MASAFRET


Os efeitos da atividade da nossa espécie são perceptíveis em quase todos os rincões do planeta. Além disso, desperta preocupação a natureza desses efeitos. Um desses é o ritmo atual do desaparecimento de espécies. A comunidade científica denomina sexta extinção ao período que se iniciou há 100 mil anos com a primeira grande dispersão humana pelo planeta. O termo «sexta extinção» se refere ao fato de que a taxa de desaparição de espécies neste episódio é comparável – se não maior – aos cinco episódios de extinções massivas detectadas em registro fóssil. De todos eles, o último, aos finais do Cretácico, é o mais conhecido, já que implicou a extinção dos dinossauros, se bem que o episódio do Pérmico se considera o de maior magnitude (se estima que se extinguiram 70% das espécies terrestres e 95% das marinhas).

As causas das extinções massivas desses cinco episódios foram mudanças climáticas severas, algumas das quais se relacionaram com os movimentos das placas tectônicas ou colisões entre a Terra e os meteóritos (a colisão no Cretácico gerou tsunamis, chuvas ácidas, e o fundo marinho ficou coberto por enormes quantidades de matéria orgânica). Por outro lado, o atual episódio de extinções massivas é causado básicamente pela ação de uma única espécie, Homo sapiens: os efeitos da humanidade sobre o resto das formas de vida do planeta são comparáveis aos gerados pela colisão de um meteorito sobre o planeta!

A sexta extinção se caracteriza por uma desaparição cada vez mais alarmante de biodiversidade no planeta. Assim sucedeu há uns 10 mil anos, com o aparecimento da agricultura. A agricultura por um lado transformou ecossistemas e a sobrepopulação humana são duas das principais causas do atual episódio de extinções. Outras das causas são a superexploração dos recursos naturais, a contaminação e o efeito das espécies invasoras. Todas essas causas têm visto incrementado seu efeito de forma exponencial com a globalização do modelo econômico ocidental. Este se baseia em uma ciência-tecnologia com uma capacidade cada vez mais poderosa de transformação dos ecossistemas, e numa cultura onde os humanos não se percebem como parte dos ecossistemas, mas como seus gestores e beneficiários (para não dizer seus donos), como expôs em 1967 o historiador Lynn While (cfr esta Agenda, p. 38).

Tem-se quantificado a magnitude da perda de biodiversidade? Os dados mais aceitos falam de um incremento entre 100 e 1000 vezes a taxa de extinção, com respeito aos valores estimados antes da aparição dos humanos. Além disso, se todas as espécies catalogadas “em perigo de extinção” desaparecerem ao longo deste século, a taxa se incrementará outras 10 vezes mais. Os valores de desaparecimiento de espécies na atualidade alcançam umas 47 espécies da fauna e da flora cada dia (duas espécies cada hora).

Mas, quantas espécies existem no planeta? Pode surpreender que, no século XXI, e depois de mais de 250 anos de investigação sobre as formas de vida no planeta, ainda não tenhamos uma resposta clara a esta pergunta. Tem-se descrito uns 2 milhões de espécies, mas sabemos que esse valor é claramente inferior ao real. Nem todos os grupos de organismos são igualmente conhecidos, nem todos os ecossistemas estão igualmente estudados. Se se extrapolam os dados dos grupos de organismos e dos ecossistemas bem estudados, o número de espécies no planeta se eleva a uns 5 milhões. Ainda assim, sabemos que estamos subestimando o valor real do número de espécies, já que os grupos mais conhecidos e os ecossistemas mais estudados não são os que albergam a maior biodiversidade. Existem aproximações indiretas ao número de espécies que vivem no planeta que ampliam consideravelmente esse valor. Sirva de exemplo um estudo dos coleópteros que vivem na bóveda florestal, que estimou em 30 milhões o número de espécies de insetos associados às árvores das selvas tropicais. Se utilizarmos o valor conservador de 10 milhões de espécies que habitam o planeta, e considerarmos que cada ano se descreve umas 13 mil espécies, necessitaremos de uns 770 anos para conhecer as espécies que convivem conosco. Esse fato contrasta com o atual ritmo de desaparecimento das espécies, umas 17 mil cada ano. O entomólogo Xavier Bellés descreveu essa situação com uma amarga ironia: se nos próximos séculos não diminuirmos a taxa de extinção, se poderá obter o inventário completo das formas de vida do planeta, já que apenas será necessario esperar que a maioria desapareça.

É necessária a conservação da biodiversidade?

Agrupo em tres blocos os argumentos.

Argumentos utilitaristas: As plantas e os animais proporcionam à humanidade materiais (por ex. madeira para a construção e fibras vegetais para a roupa), alimentos, medicamentos e recursos energéticos. Cada espécie que perdemos poderia ser a chave para a solução de uma doença, ou uma alternativa para a crise alimentar. Sirvam de exemplo o caso das plantas Catharanthus roseus e Orbignya phalerata. A primeira proporciona alcaloides que são eficazes para a cura de determinados cânceres (os medicamente elaborados a partir desta espécie geram benefício de uns 100 milhões de dólares anuais). Em Madagascar existem mais cinco espécies de Catharanthus, uma em perigo de extinção. A segunda produz uma grande quantidade de óleo próprio para cozinha e para outros usos (500 árvores produzem 125 barris de óleo por ano). Além dos bens materiais, se esquece muito facilmente que a biodiversidade é uma fonte de benefícios lúdicos e emocionais. Quantas lembranças pessoais têm associados o cheiro e sons de um bosque, para não falar da gama de sensações que nos despertam as diversas paisagens. Resulta paradoxo que na atualidade realizemos viagens de centenas de quilômetros em busca de paisagens que nos despertem emoções e, em troca, aceitemos resignadamente que o nosso entorno diário se degrade. Precisamente o título de Rachel Carson, Silent Spring, considerado como um texto pioneiro do movimento ecologista, evoca a sensação de vazio que suporia um passeio pelo campo durante a primavera sem ouvir o canto de algum pássaro, devido ao uso abusivo dos pesticidas.

Argumentos de prudência: Com a perca da biodiversidade, o que mais estamos perdendo? Sabemos que o funcionamento ecológico da biosfera depende das entidades que a configuraram; não podemos predizer a magnitude das alterações dos processos ecológicos como consequência de um desaparecimento generalizado de espécies no planeta e, concretamente, o risco que essas alterações supõem para a humanidade. As características do mundo que nos rodeia (a composição da atmosfera, a salinidade do mar, etc.) depende em maior ou menor medida da atividade dos seres vivos. A biodiversidade, em resumo, proporciona estabilidade no planeta em que vivemos. A proposta do cientista James Lovelock de considerar todo o planeta como um único organismo, Gaia, coloca de relevo a interdependência entre todos os componentes. Uma ideia que já se encontra na cosmovisão de muitas culturas, como a Pachamama dos quechuas e de outras etnias andinas.

Argumentos éticos: Nossa espécie não só é inteligente, mas também é racional e portanto tem a prerrogativa de criar sentimentos éticos. Estes nos conduzem a uma reflexão inequívoca: simplesmente não temos nenhum direito de eliminar nenhuma forma de vida por mais insignificante que nos possa parecer. Teria de ser terrivelmente incômodo reconhecer que respeitamos muito mais os vestígios da nossa história que a existência de outras formas de vida. Outorgamos valor, cultural e histórico, aos restos das civilizações humanas antigas, como as igrejas românicas dos Pirineus ou as pirâmides Maias da selva do Petén (de uma antiguidade de alguns séculos) e, por outro lado, não concedemos valor a espécies que estavam presentes antes da nossa existência (a partir do registro fóssil que se estima que a vida média de uma espécie é de uns 11 milhões de anos). Mas, uma ética verdadeiramente humana não terá unicamente de outorgar valor às formas de vida, mas deve aceitar a obrigação de realizar esforços em prol da sua conservação.

Segundo o ecólogo Edward O. Wilson, a humanidade tem de valorizar suas três grandes fontes de riquezas: a material, a cultural e a natural. Para o nosso bem temos que harmonizar a conservação das tres. A atual civilização que se exporta do Ocidente, deficitária em valores, tende a apreciar unicamente a primeira, embora isso comporte graves repercussões para as outras duas. A humanidade dificilmente acabará com a vida no planeta, mas, se não mudar sua relação com a natureza, pode acabar com a sua vida no planeta.

 

Dani BOIX i MASAFRET

Saus, Empordà, Catalunha, Espanha