Sentir com o coração e viver com a alma
Sentir com o coração e viver com a alma
Uma inteligência sensível e cordial
e uma inteligência espiritual, também ecológica
Leonardo Boff
O tempo corre contra nós e é urgente a necessidade de mudança de mentalidade. Todos os saberes devem ser ecologizados, isto é, colocados em relação uns com os outros e orientados para o bem da “Comunidade de vida”. Da mesma forma, todas as tradições espirituais e religiosas são instadas a fazer com que a consciência da humanidade desperte de sua missão de ser a cuidadora desta herança sagrada recebida do universo e do Criador, que é a Terra viva, o único lar que temos para viver. Junto com a inteligência intelectual deve vir a inteligência sensível e cordial e, sobretudo, a inteligência espiritual.
Uma contribuição notável é a do famoso psicanalista Karl Gustav Jung (1874-1961) que, em sua psicologia analítica, deu grande importância à sensibilidade e que criticou duramente o cientificismo moderno. Para ele, a psicologia não reconhece fronteiras entre cosmo e vida, entre a biologia e o espírito, entre o corpo e a mente, entre o consciente e o inconsciente, entre individual e coletivo. A psicologia tem a ver com a vida em sua totalidade, em sua dimensão racional e irracional, simbólica e virtual, individual e social, terrestre e cósmica, e em seus aspectos sombrios e luminosos.
Ele soube articular todos os saberes disponíveis, descobrindo conexões ocultas que revelavam dimensões surpreendentes da realidade. É famoso o diálogo que Jung manteve entre 1924 e 1925 com um indígena da tribo Pueblo do Novo México (Estados Unidos). Este indígena acredita que os brancos estavam loucos. Jung perguntou por que ele achava isso. E o indígena respondeu “Dizem que pensam com a cabeça”. “É claro que pensam com a cabeça”, respondeu Jung, “como vocês pensam?“. O indígena, surpreso respondeu: “Nós pensamos aqui”, apontando para o coração (Memórias, sonhos e reflexões, p. 233).
Este fato transformou o pensamento de Jung: ele entendeu que o homem moderno tinha conquistado o mundo com a cabeça, mas tinha perdido a capacidade de pensar e de sentir com o coração e de viver através da alma.
Claro que não se trata de renunciar à razão – a qual seria uma perda para todos – e sim de rechaçar a limitação de sua capacidade de compreender. É preciso levar em consideração o sensível e o cordial como elementos centrais do ato do conhecimento. Eles permitem captar valores e sentidos presentes na profundidade do senso comum. A mente sempre está imersa em um corpo, por isso está sempre impregnada de sensibilidade e não é só cerebralizada.
Em suas Memórias, Jung diz: “há tantas coisas que me preenchem: as plantas, os animais, as nuvens, o dia, a noite e o eterno, presentes nas pessoas. Quanto mais inseguro de mim mesmo eu me sinto, mais cresce em mim o sentimento de meu parentesco com o todo” (p. 361).
O drama do ser humano atual é o de ter perdido a capacidade de viver um sentimento de pertencimento, algo que as religiões sempre garantiram. O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação da divindade. O que se opõe é a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas. Hoje as pessoas estão desraigadas, desconectadas da Terra e da alma que é a expressão da sensibilidade e da espiritualidade.
Se não resgatarmos hoje a razão sensível, que é uma dimensão essencial da alma, dificilmente chegaremos a respeitar o valor intrínseco de cada ser, a amar a Mãe Terra com todos seus ecossistemas e a viver a compaixão com os sofredores da natureza e da humanidade.
O Papa menciona no comovente final da “Carta da Terra”, que resume bem a sua esperança em Deus e o no empenho dos seres humanos: “Que nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência diante da vida, pela decisão definitiva de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta pela justiça e paz e pela celebração alegre da vida” (n. 207).
Leonardo Boff