Sociedade de informação: O que é?
Sociedade de informação: O que é?
Pedro Gaureschi
Houve um tempo em que o que garantia a produ-tividade na economia era a terra; depois, foi a energia; agora, a fonte de produtividade está na tecnologia de geração de conhecimentos através do processo de infor-mação e de comunicação de símbolos: é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos, a fonte principal de produtividade. Esse é um círculo “virtuoso” de interação entre as fontes de conhecimentos tecnoló-gicos e a aplicação dessa tecnologia para melhorar a geração de conhecimentos e o processamento da infor-mação. É o desenvolvimento informacional.
A passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade de informação só foi possível devido ao enor-me e rapidíssimo desenvolvimento de novas tecnologias que, elas próprias, geram novos conhecimentos e tecno-logias; é um processo infinito de re-alimentação contí-nua. Tal sociedade começou a ser visualizada a partir dos meados da década de 1950, quando o número de enge-nheiros e administradores, que trabalhavam na informa-ção, ultrapassou o número de operários que trabalhavam na produção. Houve uma requalificação do trabalho, dirigido mais à robótica e à burótica. O recurso funda-mental, transformador, não era mais a energia, mas a informação; e os recursos estratégicos não eram mais as matérias-primas, ou o capital financeiro, mas o conheci-mento. Mais do que descrever, contudo, essas inovações, é fundamental discutir como elas penetram as principais esferas de nosso cotidiano e de nossas vidas.
Comecemos por um aspecto que podemos chamar de psicológico. Três dimensões centrais ao nosso viver coti-diano, a distância, o espaço e o tempo, sofreram profun-das transformações sem disso, muitas vezes, nos darmos conta. A distância encurtou: tomamos café num conti-nente, almoçamos num segundo e jantamos num tercei-ro. Criou-se um novo espaço, o ciberespaço: bibliotecas inteiras estão à nossa disposição sem precisarmos de edifícios. Mas o mais chocante é a mudança que se dá na dimensão do tempo. O tempo é a percepção que dele temos. Ele se torna sempre mais precipitado e acelerado, influenciando profundamente nossa subjetividade. Identificam-se várias doenças ligadas ao tempo, que atingem principalmente os jovens, denominadas com nomes estranhos, como cronofagia - uma fome ou sede de devorarmos coisas novas - ou dataholics - uma adição e uma necessidade de buscarmos sempre mais notícias, de estarmos sempre “ligados”, ansiosos, presas de um processo infindável de novos êxtases, cada qual mais profundo, mais extasiante. Em tal clima psicológico não há mais espaço para a reflexão e a crítica: somos possuídos por um bombardeio de fluxos que nos exigem novas experiências, uma exigindo outra mais radical, sem nunca nos satisfazermos e sem poder usufruí-las em profundidade. É a imagem do adolescente clicando na Internet noites adentro, navegando e buscando sempre novos mares, sem nunca poder se ancorar em algo.
Uma influência bastante séria acontece na dimensão social e ideológica, principalmente no que se refere à redefinição do que seja a realidade. Nisso colaboram e desempenham um papel central os meios de comunica-ção, a mídia. Na verdade, sempre existiu um casamento muito estreito entre as novas tecnologias, a sociedade de informação e a comunicação, principalmente a mídia. Na maioria das vezes, as tecnologias nasceram e se desenvolveram dentro da comunicação; e quando isso não aconteceu, foi ela que as carreou e difundiu.
A importância da comunicação, numa sociedade de informação, pode ser evidenciada com mais clareza através de quatro afirmações:
- a comunicação constrói a realidade. Um fato, um fenômeno, passa a existir, ou deixa de existir, se for, ou não veiculado. Achamos normais diálogos como o que segue: Alguém afirma: “Acabou a greve”. E o interlocutor pergunta: “Por quê?” Resposta aceita sem discussão: “Não se lê mais nada no jornal... não se vê mais nada na televisão!”. A realida-de, hoje, sociologicamente falando, é apenas o que é veiculado. A mídia constrói a realidade.
- a comunicação constrói a realidade valorativamen-te. Poucos se dão conta que a mídia, além de construir a realidade, a constrói conectando a ela determinados valores. São esses valores que levam e motivam as pessoas a agir dessa ou daquela forma. Toda notícia e todo fato veiculado vão carregados de valores, conota-ções ideológicas, que ajudam a formar as opiniões, a legitimar governos, a discriminar grupos e nações. A mídia, junto com a informação, diz também o que é bom ou mau, certo ou errado.
- a comunicação monta a pauta de discussão. Sabe-mos que mais de 80% daquilo que se falamos durante o dia, é pautado pela mídia. Ela constrói a agen-da de discussão. Alguém pode objetar que não importa o que falamos, o importante sabermos criticar e avaliar o que nos é dito. Há, contudo, um ponto extremamente grave nessa questão, pois se é verdade que a mídia constrói a realidade e dita o que hoje existe ou não existe, no momento em que ela decidir não divulgar algum fato, ou não falar sobre algum assunto, tais fatos e assuntos deixam de existir para a maioria absoluta da população. A força da mídia não está apenas no que diz, mas sobre todo no que deixa de dizer, em sua agenda negativa, suprimindo fatos e decidindo o que existe e o que é real.
- finalmente, a comunicação nos constrói, molda nossa subjetividade. Somos o resultado de milhões de relações que estabelecemos no dia a dia. Acontece que, na nossa sociedade de informação, há um novo persona-gem dentro de casa, materializado principalmente na TV, com quem nos relacionamos rotineiramente. Ora, tal relação é, muitas vezes, problemática, pois em geral é vertical e não temos possibilidade de responder para estabelecer um diálogo verdadeiro; é uma comunicação de mão única, um monólogo onde alguém comunica o que quer, como quer, quando quer. Há crianças que ficam várias horas por dia diante da TV, ouvindo e vendo deter-minados personagens mais tempo que o despendido com seus pais, irmãos ou amigos. Que tipo de ser humano poderá advir daí?
Talvez a dimensão onde a sociedade de comunicação mais se materializa e é mais nitidamente visualizada, seja na economia. Ela está presente desde a produção de bens, até sua distribuição e comercialização. Um sofisticado computador controla os robôs e as máquinas. Tudo é produzido no momento (just in time) , e na quan-tia desejada (on demand) . Suprimem-se os estoques. E através da informática você cada vez mais compra e vende tudo, desde passagens até automóveis.
Também a dimensão política se transforma, desde a maneira de se fazer campanha, de governar, até ao esta-belecimento das relações internacionais. O que importa, hoje, para os políticos, é a visibilidade. Quem está no mundo da informação, existe. Todas as estratégias ima-gináveis são empregadas para garantir a presença no mundo informacional. É a sociedade do espetáculo que cria e mantém a realidade em espaço mundial.
A aprendizagem e o ensino são também afetados por transformações profundas e tomam novas formas numa sociedade informacional. Um fenômeno fantástico, por exemplo, do qual fazemos uso diário, sem refletir sobre suas implicações, é a criação duma nova linguagem, digital, que sintetiza as três outras linguagens anterio-res: a imagem, o texto e o som. As conseqüências, para a economia, e para a educação, são enormes.
Como conclusão, gostaríamos de mencionar algumas conseqüências éticas duma sociedade de informação, como a questão da liberdade e da democracia. Enfatiza-mos que não podem ser negadas as inúmeras vantagens que tal sociedade propicia. Mas tais vantagens estão restritas ainda a uma pequena parcela da população.
Mas não é apenas a distribuição desigual desses recursos que preocupa. Há ainda alguns outros pontos cruciais que devem ser lembrados. Um primeiro está mais ligado à mídia. Sabemos que em muitos países ela é dominada por um pequeno grupo de “latifundiários” da comunicação; no momento em que essas elites decidirem boicotar determinadas informações, seu poder, tanto político, como social e econômico, passa a ser pratica-mente ditatorial. Herbert de Souza, Betinho, afirmava que só há democracia, quando há democracia na comu-nicação, e todos podem participar dizendo sua palavra.
Outro questionamento pode ser feito a partir dos próprios termos informar-informatizar, que podem resultar num processo unilinear, vertical, onde alguém “in-forma”, isto é, plasma, molda, conforma alguém ou alguma coisa, possibilitando várias formas de controle. Qual o grau de liberdade, por exemplo, que resta a cidadãos/ãs bombardeados noite e dia com notícias, comerciais, informações em geral que eles não podem, ou não têm condições, de verificar e avaliar. No campo da publicidade, por exemplo, os comerciais não se interessam em informar, mas em atingir o inconsciente das pessoas, com técnicas a sugestão, persuasão, pre-ssão moral, percepção subliminar, etc., que propositada-mente prescindem e procuram evitar a reflexão consciente.
Importante enfatizar a distinção já estabelecida por Paulo Freire, na década de 1960, entre “extensão” e “comunicação”. A verdadeira comunicação exige o diálogo, a possibilidade de todos dizerem sua palavra, expressarem sua opinião, manifestarem seu pensamento. A “informação” corre o risco de se tornar apenas uma “extensão” de uma pessoa a outra, vertical, transformando-se numa relação autoritária e monológica.
O desafio é passarmos de uma “sociedade de informação” para uma “sociedade de comunicação”, onde a comunicação seja verdadeira ação comunicativa, exercida em igualdade de posição, sem imposições, num diálogo respeitoso. Para uma nova humanidade, uma nova comunicação.
Pedro Gaureschi
Porto ALegre, Brasil