Tarefas domésticas e cuidado: também são coisas de homens

Tarefas domésticas e cuidado: também são coisas de homens
 

Vinicio Buitrago


São cada vez menos fortes as vozes que afirmam que as tarefas domésticas são coisa de mulheres.

Os pressupostos de que partem invocaram a divisão sexual do trabalho, um argumento antropológico segundo o qual, na era das cavernas, os homens saíam para caçar e as mulheres ficavam na manada cuidando dos filhos e das filhas – então comuns – e do preparo dos alimentos. Segundo este argumento, a divisão sexual do trabalho responde a uma conveniência, e não se trataria de algo intrínseco à natureza de homens e mulheres.

A partir da psicologia, naturalizou-se dita divisão sexual do trabalho. Formulou-se que os homens têm mais predisposição à exploração do entorno, relacionado a um maior desenvolvimento do hemisfério esquerdo do cérebro. À sua vez, as mulheres – como o extremo oposto dos homens, o que também é questionável – teriam mais desenvolvido o hemisfério direito, o que as dotaria de maiores capacidades para a comunicação e, portanto, para a interação empática com outras pessoas. Além do que, as mulheres desenvolveriam, durante a gravidez, um instinto maternal, o que as colocaria em uma situação de idoneidade absoluta para o cuidado das meninas e dos meninos. Seguindo esses argumentos, os homens, ao não disporem de tal instinto maternal, não seriam aptos para o cuidado desses meninos e meninas. É necessário esclarecer que a falácia dessas abordagens ficou estabelecida há mais de 30 anos na psicologia atual.

Apesar da superação destes prejuízos pseudocientíficos, argumentos como estes continuam sendo explorados no âmbito religioso como uma maneira de mostrar evidência científica do desígnio divino da divisão sexual do trabalho, que teria se estabelecido no momento em que Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Éden: “Com trabalho tirarás da terra teu alimento” (Gn. 3,17). À mulher se anuncia a multiplicação das dores de parto; nenhuma palavra sobre o trabalho; este é, pois, algo que corresponde a Adão, e por extensão, aos homens.

Não obstante, a realidade mostra que em todas as épocas, as mulheres também tiraram o alimento com trabalho, mesmo quando elas nem sempre tenham clareza disso e nem sempre fazem referência. Vejamos, por exemplo, o caso do campo nicaraguense, em que, quando os técnicos perguntam quem trabalha a terra, as mulheres respondem que seus maridos. Não levam em conta que, em grande medida, elas cuidam da horta, que também gera ingresso econômico. Nem os técnicos refletem o trabalho das mulheres nas estatísticas sobre o trabalho no campo; isto que podemos observar de primeira mão em nosso país, está documentado por Marilyn Waring, desde 1988 na realidade das mulheres de um entorno tão distante como Nova Zelândia.

Na sociedade industrial, na que se consolidou a divisão sexual do trabalho no imaginário social, também ficou provada a falácia da incapacidade – o menor rendimento – das mulheres nos trabalhos de homens: cada vez que houve guerras, as mulheres fizeram andar as fábricas.

Estes trabalhos de homem não somente são reflexo de uma divisão arbitrária de funções entre homens e mulheres nos planos públicos e do lar, senão que estão marcados hierarquicamente, estando o trabalho do homem no polo social e economicamente reconhecido.

As estatísticas econômicas mundiais continuam sendo calculadas sobre a base do trabalho que se realiza fora do lar, não atribuindo nenhum valor ao trabalho reprodutivo (o doméstico e o de cuidados).

Após a segunda guerra mundial, estando os homens de volta da frente de batalha, o sistema tentou fazer as mulheres retornarem ao lar, porém já foi impossível. Desde então, até o presente, as mulheres cada vez se incorporaram mais ao emprego, esse trabalho que se realiza fora do lar e que historicamente foi designado aos homens. As razões são óbvias: implica um salário, férias pagas, horários regulamentados, seguro social e aposentadoria, entre outras importantes vantagens, o que fortalece a autonomia de quem tem acesso a ele. Entretanto, vantagens não foram relevadas do trabalho doméstico e de cuidados. Nesse cenário, as mulheres realizam dupla jornada, ou tríplice jornada, quando se agrega o trabalho comunitário (cf. Caroline Moser em Mendoza, R. El género y los enfoques de desarrollo).

Os homens não se envolveram significativamente no trabalho reprodutivo. Também aqui há razões óbvias: o trabalho doméstico não é fonte de prestígio nem de nenhum tipo de poder, mais que o de fazer-se necessário para a sobrevivência de outras pessoas.

A dupla jornada e o não envolvimento dos homens nas tarefas reprodutivas teve duplo impacto nas mulheres. O não poder desvincular-se do trabalho reprodutivo – pela crença ancestral de que é conatural a elas –, subtrai o tempo para si mesmas, que poderia utilizar para capacitar-se e atualizar-se profissionalmente. Muitas mulheres o fazem, porém para isto devem investir muito mais tempo que os homens. Igualmente, a dupla jornada e o não apoio dos homens no âmbito doméstico, levam as mulheres a aceitarem, quando não a procurarem deliberadamente, trabalhos de tempo parcial e precários, o que se reflete em um menor salário nominal, menores vantagens sociais e menores possibilidades de alcançar postos de direção, os quais são direitos legítimos de todo/a trabalhador/a.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2015, em nível mundial, a possibilidade de que as mulheres participem no mercado laboral continua sendo 27 por cento menos que a dos homens. A taxa mundial de desemprego das mulheres é de 6.2% (um ponto percentual mais alto que nos homens). E 40% do trabalho que as mulheres realizam não contribui para o seguro social, o que indica a alta porcentagem de informalidade de seu trabalho.

Seguindo ainda os dados da OIT, em nível mundial, as mulheres dedicam duas vezes mais tempo que os homens ao trabalho reprodutivo: as mulheres, quase cinco horas por dia, enquanto os homens uma hora e meia, uma diferença média de 3 horas e 45 minutos, diferença que cresce em países em desenvolvimento, como na América Latina. Um efeito imediato da quantidade de tempo que homens e mulheres dedicam ao trabalho reprodutivo é o tempo disponível para realizar trabalho remunerado: nos países em desenvolvimento, as mulheres dedicam a este 5 horas e meia e os homens 7 horas. Isto quer dizer que em média os homens dedicam uma jornada padrão de trabalho ao emprego, enquanto as mulheres, em média, dispõem da metade do tempo de um emprego. Vale a pena insistir em que falamos de médias, pois há variações de país a país, do campo à cidade e entre grupos étnicos, para citar somente uns exemplos de eixos de privilégio e discriminação.

Em relação a 1995, houve uma redução da diferença do tempo que homens e mulheres dedicam ao trabalho reprodutivo, mais concretamente no concernente à realização de tarefas domésticas (lavar, cozinhar, etc.), não sendo assim no caso do tempo dedicado ao cuidado dos filhos e filhas realizado quase exclusivamente pelas mulheres.

Nós homens, que iniciamos processos de questionamento de nossas masculinidades tivemos, na divisão sexual do trabalho, um ponto de reflexão muito importante e um aspecto no qual comprometer-nos. Vejo dois níveis em nossa incorporação às tarefas domésticas e de cuidado. Em primeiro lugar, é um assunto de justiça social: se as mulheres realizam trabalho remunerado e reprodutivo, é justo que os homens também estejamos nos dois tipos de trabalho. Mais ainda, quando não há argumento científico que justifique que nós homens não possamos realizar tarefas domésticas nem de cuidados.

Também vejo outro nível ou perspectiva, ainda que menos evidente: revalorizar o trabalho doméstico e de cuidados é importante para o crescimento pessoal – de homens e mulheres –: quando desenvolvemos a habilidade de realizar tarefas domésticas crescemos em autonomia, quando desenvolvemos a habilidade de cuidar de outras pessoas desenvolvemos a empatia e o sentido de solidariedade.

No caso concreto dos homens, acredito que nós ganhamos ao incorporar, no conjunto de nossas destrezas, aquelas que têm a ver com o âmbito reprodutivo, e com isso, os valores que o sistema designou ao feminino: a capacidade de amar, a empatia, etc. O que sucede no plano pessoal pode ter efeitos no âmbito mais global contribuindo para uma Cultura de Paz.

Como homem, acredito que é importante considerar esta dimensão de recuperação do feminismo – um valor em nossas vidas –, e também sua dimensão de justiça, não como “uma ajuda” e sim por corresponsabilidade.

 

Vinicio Buitrago
Manágua, Nicaragua