Tarefas permanentes do trabalho de base
Ranulfo Peloso
“Para começar, se faz coisas que parecem insignifi cantes; aos poucos, se passa às coisas ditas
importantes... quando estas já estiverem feitas, se empreende as ditas impossíveis.
A condição de andar uma légua é dar o primeiro passo”
(vários autores)
Trabalho de Base não se reduz a debates, reuniões, agitação e propaganda... nem é a repetição saudosa de práticas do passado. Também não se confunde com o basismo, forma disfarçada de autoritarismo, que trata o povo como ingênuo e elogia suas ações espontâneas. Signifi ca resgatar uma estratégia, um caminho de organização e de luta, que envolve os atores na solução de seus desafi os e aponta uma nova ordem social.
Trabalho de Base se defi ne como a ação política transformadora, feita por militantes de uma organização que, inseridos numa base social concreta, contribui para despertar, organizar e acompanhar a classe que trabalha, na solução de seus problemas cotidianos e na luta geral contra a opressão. Esse movimento prepara uma força própria para construir a sociedade sem opressão, sabendo que não existem “receitas”, nem prazos.
Trabalho de Base é fazer, porque é a única forma de mostrar que é possível mudar. É sair do discurso, meter o corpo numa base social e, com ela, criar saídas para questões do dia a dia. Não existe um modelo, porque depende do contexto e da criatividade. Às vezes, é o inimigo que determina o caminho a seguir. Porém, ao comparar muitas práticas, é possível descobrir pontos em comum, que podem inspirar novas práticas:
• Aproximar-se é entrar em contato com a realidade de um grupo ou território. Pois não existe trabalho de base à distância, por telefone, de forma virtual... É uma chegada, sem mostras externas de poder e respeitosa dos costumes, da linguagem, da cultura. Há várias formas de se meter numa base. Alguns se mudam para o território, outros acham conhecidos no local e uns até se capacitam para ser companheiros de profi ssão.
• Conhecer os quatro cantos do território é mais do que ter informações e dados. O conhecimento vem da aproximação, contato direto, observação, conversa, visita, pesquisa.... Conhecer é deixar de ser estranho. É um exercício de aprendizado e cumplicidade que favorece a integração, a troca e laços de confi ança. Informações indispensáveis são aquelas que:
- tratam do território - geografi a, cultura, costumes, saberes, população...
revelam a economia - empresas, trabalhadores, profi ssões, produção, renda...
- falam das relações sociais e políticas - lideranças, personalidades, entidades e organizações,
inimigos, amigos, adversários...
- indicam potenciais e carências - situação social, demandas, valores, arte...
- revelam o subjetivo - sentimentos, desejos, mesmo se “ingênuos” ou reproduzidos
- falam da história - resistência individual, grupal, espontânea, organizada...
- mostram a linguagem - modo de ver, de se expressar, de comunicar...
• Descobrir “sementes” é a ação inicial de descobrir gente insatisfeita, crítica, disposta àmudança, coerente com o que promete, “ambiciosa”, curiosa, discreta, com humor, corajosa .... que pode se tornar referências, adiante. E ter cuidado com gente sabida, amiga de autoridades, muito “santa”, amarga, sem ânimo, que leva e traz intrigas...
• Formar núcleo inicial com as pequenas estrelas que se descobriu. É preferível ter uma pessoa de confi ança na região do que muita gente na reunião. A escolha segue o critério da prática – confi ança e referência junto ao grupo. É bom ter, no núcleo inicial, gente nova de idade e mentalidade. Com ele, partilhar tarefas, debater o sentido do trabalho e ajudá-los a se assumir como referênciacoletiva do trabalho.
• Fazer ações concretas a partir dos dados da realidade. Elas podem sugerir propostas de ação.Mas é preciso sentir o que o grupo quer fazer. A ação a ser feita é aquela onde o grupo participa porque compreendeu e suporta fazer – jogo, festa, celebração, protesto, mutirão, disputa política...
Ao partir da porta que o povo oferece, o povo pode chegar no ponto em que precisa. Ações não assumidas
geram acomodação e frustração.
• Ter conquistas, porque é decisivo que as primeiras ações tenham resultado. Na luta, se ganha ou se perde. Mas é a vitória que anima a vontade de continuar. A derrota, no início, aumenta o sentimento de impotência. Uma ação bem preparada e avaliada, em seus avanços e recuos, anima novas ações. Fazer ções e refletir sobre elas têm sido a grande “escola”, onde militância e povo se qualificam.
• Organizar o trabalho junta, esclarece e prepara seus participantes. Para isso, se cria uma estrutura de funcionamento. Mas a principal razão de organizar é democratizar o poder, quer dizer, distribuir as tarefas, conforme a necessidade, a habilidade e gosto dos participantes, sempre que possível. A estrutura nunca pode ser o centro da luta. O centro é o movimento real do povo contra a opressão.
• Organização de base é essencial em um Movimento; é seu alicerce, sua força, seu exército organizado. É a porta de entrada que acolhe, escolhe e prepara pessoas para a organização. Os grupos juntam quem já veste a camisa, quem discute e aplica, na vida diária, as orientações do Movimento e influenciam todo o território. Não se confunde com clube de amigos, comitê eleitoral, comunidade de igreja....
• Apresentar a organização para falar dos objetivos do trabalho, às vezes, é na entrada e, em outras, é preciso esperar. Em algum momento, se deve anunciar a razão e objetivos do trabalho, até para convencer e convocar pessoas para sua proposta. Informar o povo sobre a finalidade do trabalho é vacinar contra o ataque dos inimigos.
• Formação política é uma necessidade na luta pela vida. Só entusiasmo e força são insuficientes para vencer o poder da opressão. A classe oprimida precisa descobrir as raízes da exploração, para vencer a opressão que aflige o povo. Sem formação, a luta mais feroz não vai além do combate aos efeitos da exploração. O movimento deve propor a formaçãopara diversos níveis de participantes: base, militância e direção.
• Conhecer outros territórios porque, em toda parte, há gente que luta contra a injustiça. Uma experiência se fortalece quando une a luta de seu território com outras práticas. Nessa “saída”, a militância adquire experiência e habilidade; alarga seu horizonte e seus conhecimentos; observa outras pessoas e práticas de outras localidades. É o desafio de elevar o nível de consciência e o ardor da fé na nova ordem social.
• Articulação e parcerias, pois as melhorias concretas são urgentes e o enfrentamento das questões mostra que, uma ilha de água doce, não resiste no meio do mar salgado. Até para conseguir conquistas básicas, é preciso aumentar a força,participar de um movimento maior. Parceria não é abrir mão da própria convicção e de sua história. Parceria é unir esforços para atingir objetivos que estão na mesma direção.
• Sustentação política e financeira são as condições para funcionar, fazer ações, formação, ter lugar de encontro.... É indispensável a contribuição direta de cada participante, por menor que seja, como sinal de compromisso e participação. O que não custa, não se valoriza. Também se recorre à solidariedade, se faz pressão por fundos públicos e se utilizam formas criativas de conseguir dinheiro.
• Fazer a propaganda é do interesse de quem crê em uma proposta. Propaganda não é inventar ilusões,
é repartir as lições que o povo aprendeu, na sua luta. Denuncia as injustiças e divulga as conquistas
e sonhos para chamar mais gente para a mesma esperança. No início, se faz de pessoa a pessoa. Quando a experiencia cria raízes, se faz de forma aberta. Muita gente é atraída para a luta, atingida pela propaganda.
• Projetar um horizonte, porque, é tarefa do Trabalho de Base, preparar pessoas para um Projeto de País. Saber que “política” foi reduzida à eleição. Mas a política é ter o poder de decidir na sociedade e tornar possível o que é necessário para a maioria. O movimento político junta quem descobre a raiz da exploração e entende que, sem
mudar a sociedade de explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido.