Terra, Sociedade e agricultura

Propostas para un outro mundo possível

Terra, Sociedade e agricultura

João Pedro STÉDILE


1. A NATUREZA.

Nosso planeta está a perigo, nos alertam os cientis-tas e os filósofos. O capitalismo estadunidense está impondo um modo de vida consumista que está inviabi-lizando a renovação dos recursos naturais do planeta. Menos de 10% dos mais ricos do mundo, que vivem no hemisfério norte se deram o direito de se adornar de todos os recursos e os utilizarem a seu bel prazer. A prosseguir assim não haverá outro mundo para ninguém.

Por isso, é urgente defendermos a biodiversidade de nosso planeta, que incluem todos os bens da natureza, os ecossistemas e as culturas dos povos. A biodiversida-de inclui todas as diferentes formas de vida vegetal, animal, as relações humanas e econômicas, os hábitos e culturas das pessoas, as formas de governo. A diversida-de é nossa própria forma de vida. E devemos defendê-la. Devemos respeitar e proteger para as gerações futuras, todos os recursos naturais de nosso planeta como a terra, a água, a fauna e flora. E utilizar técnicas de cultivos agrícolas que produzam alimentos sadios e respeitem o meio ambiente.

É preciso reduzir os níveis estúpidos de consumo dos países ditos desenvolvidos, e usar de forma mais igual os recursos para que todos os seres vivos de nosso planeta: os humanos, animais e vegetais tenham uma vida mais saudável e longa.

2. O USO DA TERRA

A terra é um bem da natureza e deve servir, em pri-meiro lugar, para atender a vida e em benefício da socie-dade. Por isso, defendemos a democratização de sua posse e uso. Somos contra a concentração da proprieda-de da terra e do seu uso para explorar outras pessoas ou outros povos. Defendemos uma reforma agrária que garanta a todos o direito de trabalhar na terra e demo-cratize sua propriedade, priorizando as formas familiares, sociais e cooperativas. Defendemos o direito dos campo-neses se organizarem das mais diferentes formas em suas comunidades e locais de moradia. Defendemos a necessi-dade dos governos e estados protegerem e estimularem agricultura familiar, camponesa e cooperativada, com políticas agrícolas adequadas de preços, assistência técnica, seguro, e garantia de comércio, como forma de produzir alimentos e preservar nossa cultura.

E sobre a posse e uso da terra pesa uma responsabi-lidade social, que devemos usá-la para produzir alimen-tos e matérias-primas em beneficio de todos em respeito à renovação dos recursos naturais, como diz o ditado hindu: “Nós não herdamos a terra de nossos pais, apenas a tomamos emprestado de nossos filhos”.

3. SOBERANIA ALIMENTAR.

Há 900 milhões de seres humanos que passam fome, todos os dias. Em especial, mulheres e crianças, que vivem no hemisfério sul do planeta. E o seu contingente em vez de diminuir, como nos prometiam os governos, cada vez mais ”gordos“, dos paises ricos e seus organismos internacionais, ao contrário, aumenta a cada ano. 80 milhões de pessoas passam a ser famintos a cada ano.

Todas as doutrinas e ensinamentos nos ensinaram, que um povo somente é livre, soberano e digno se tiver o direito e a capacidade de produzir seus próprios ali-mentos. Como imaginar uma comunidade, um povo, uma nação, que para se alimentar e sobreviver depende de outros. Ao longo da história da humanidade todos os povos e comunidades aplicaram esse principio. Mas agora, no capitalismo, a sanha monopólica das empresas transnacionais quer nos impor o controle sobre nossos alimentos para que o povo se torne escravo de seu lucro.

Defendemos a soberania alimentar como um direito que cada povo e todos os povos têm de produzir seus próprios alimentos, de forma independente, sadios, com qualidade para atender a toda sociedade. Os alimentos não são uma mercadoria e sua produção e distribuição não devem se submeter às regras do mercado capitalista. Nenhum povo é livre, se não produzir seus próprios alimentos. Só haverá povos livres, soberanos e dignos se tiverem o direito de produzirem seus próprios alimentos.

4. AS SEMENTES, PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE.

A humanidade chegou aonde estamos graças à forma democrática de produção e uso das sementes. Mas esta-mos enfrentando um grave risco. Cerca de oito grandes empresas transnacionais, como a Cargill, a Monsanto, a Du Pont, a Bungi, a Sygenta, etc.. querem controlar e impedir que os camponeses produzam suas próprias sementes. Para isso, querem impor, as sementes transgê-nicas. Fazem mutações genéticas em laboratórios e campos experimentais, para casar a produtividade com uso intensivo de agrotóxicos, cujo único objetivo é o lucro. Já desenvolveram inclusive duas técnicas satâni-cas, que é incorporar nas sementes o efeito “Termina-tor”, que esteriliza o fruto da semente transgênica e com isso obriga o agricultor a comprar todo ano, novamente as sementes da empresa. E também o componente “traitor” que condiciona o crescimento da planta à aplicação de determinado agrotóxico, vendido pela mesma empresa.

As empresas capitalistas querem transformar a agri-cultura em produtora de dólares, apenas. Nós precisamos de uma agricultura que produza alimentos! Lucro versus alimentos. Exploração versus vida. Essa é nossa batalha!

Por isso, defendemos o princípio de que os agriculto-res e suas comunidades têm o direito e o dever de pro-duzir as sementes. Defendemos a biotecnologia como um processo permanente de melhoria de variedades e raças de animais, respeitando a natureza. Somos contra a utilização de sementes transgênicas, sobre as quais não haja segurança para a saúde dos agricultores, dos consu-midores e do meio ambiente. Somos contra o monopólio do comércio de sementes por empresas trasnacionais.

5. AGROINDÚSTRIA.

O processo de urbanização de nosso planeta levou à necessidade de industrialização dos alimentos. É o pro-gresso técnico aplicado à conservação dos alimentos, para garantir seu transporte a longas distâncias e garan-tir o abastecimento da população que vive empilhada nas cidades e a armazenagem por longos períodos, já que os produtos do período da colheita, não conseguem mais alimentar a toda a população.

Mas a agroindústria vem sendo utilizada pelas gran-des empresas como uma forma de exploração dos traba-lhadores, concentração de poder econômico e poder político. Defendemos que as agroindústrias sejam distri-buídas pelo interior dos países e estejam organizadas em formas associativas e cooperativadas, para que seus trabalhadores e agricultores se beneficiem de seu pro-gresso técnico. A agroindústria pode ser um instrumento de distribuir o progresso territorialmente em nossos países, levar trabalho para imensos contingentes de jovens do interior que desejam empregos mais qualifica-dos e querem seguir aperfeiçoando seus conhecimentos. As agroindústrias podem ser um instrumento de distri-buição de riqueza, de renda, para que o valor agregado nos alimentos seja distribuído aos verdadeiros produto-res da riqueza e não aos intermediários, e muito menos aos grandes grupos multinacionais que querem controlar o comércio dos alimentos em todo mundo. Não é por acaso, que durante o ano de 2003, no ranking das maio-res empresas do mundo, não está mais uma automobilís-tica, uma petroleira, mas sim a rede de supemercados estadunidense Wal-Mart!

6. COMÉRCIO AGRÍCOLA.

Nossos amigos hindus contam de que no passado não havia fome, quando o estado comprava as colheitas, armazenava e vendia na entressafra para a população. Agora, a fome voltou na Índia, depois que o governo neoliberal retirou o Estado do comércio agrícola e o entregou às empresas transnacionais de origem estaduni-dense, que vão a Índia, não para ajudar a combater a fome e a pobreza. Vão a Índia apenas para aumentar os seus lucros. E como fazem? Na safra, compram as colhei-tas dos agricultores hindus e as exportam para países que estão na entressafra, e assim obtém lucros. Na entre-safra da Índia, compram a preços baixos em países vizinhos que estão colhendo e os revendem aos hindus a preços altos. Assim, a fome voltou aos campos da Índia, pelo progresso que dizem ser a globalização do comércio agrícola manipulado por empresas transnacionais.

O comércio agrícola não pode ser instrumento de exploração dos agricultores, dos consumidores ou de um país pelo outro. O comércio agrícola deve estar baseado em relações de igualdade e de intercâmbio justo. Os alimentos não podem ser comercializados como mera mercadoria para obter vantagens econômicas e políticas.

Os alimentos não são mercadorias. São alimentos! A regra de compra e venda deve estar subordinada a segu-rança social das populações. O comércio agrícola deve estar submetido a relações de troca justas entre elas.

7. OS VALORES HUMANISTAS E SOCIALISTAS

O capitalismo está impondo falsos valores. Prega e pratica o individualismo, o egoísmo e o consumismo como se fossem valores. Não são valores, são desvios burgueses de superindividualismo antisocial que impe-de o desenvolvimento harmônico de qualquer sociedade. Por isso, trazem dentro de si, a violência, a desigualdade, a injustiça, a revolta, o crime. As relações sociais em nossas sociedades devem ser baseadas no cultivo de valores, que a humanidade vem construindo ao longo de milênios, como a SOLIDARIEDA-DE, A JUSTI-ÇA SOCIAL E A IGUALDADE. Esses valores não são apenas declarações de princípios, mas devem nortear nosso comportamento quotidiano, nos nossos movimen-tos, or-ganizações, regi-mes políticos e Estados. A socie-dade só terá futuro se cultivar os valores históricos, humanis-tas e socialistas. Todas as sociedades baseadas no indivi-dualismo estão condenadas ao fracasso. Cedo ou tarde!

 

João Pedro STÉDILE

São Paulo, MST/Via Campesina