Testemunhas da Causa Ecológica

Testemunhas da Causa Ecológica


Chico MENDES

O Brasil só entendeu Chico Mendes a partir de sua morte. Nascido no seringal Porto Rico, em Xapuri, aos 9 anos, o garoto Francisco Alves Mendes Filho entrou para a profissão de seringueiro: era sua única opção, já que lhe foi negada a oportunidade de estudar. Até 1970, os donos da terra nos seringais não permitiam a existência de escolas. Chico só foi aprender a ler aos 20 anos de idade.

Tornou-se um defensor da floresta e dos direitos dos seringueiros, organizando os trabalhadores para protegerem o ambiente, suas casas e famílias contra a violência e a destruição dos fazendeiros, e ganhou apoio internacional. Em 1976, iniciou uma forma de resistência chamada «empates», ações coletivas que visam impedir (ou empatar) a ação dos peões encarregados da derrubada. Um grupo de cem a duzentas pessoas (homens, mulheres e crianças) dirige-se pacificamente aos acampamentos e convence os peões a abandonarem as motosserras.

Em outubro de 1985, lidera o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, quando é criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), tornando-se a principal referência. A partir de então, a luta dos seringueiros, sob sua liderança, começa a ganhar repercussão nacional e internacional, principalmente com a proposta de «União dos Povos da Floresta», que busca unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica.

Em 1987, Chico Mendes começa a receber a visita de membros da ONU, em Xapuri. Recebe prêmios e reconhecimentos, nacionais e internacionais, como uma das pessoas que mais destacaram naquele ano em defesa da ecologia, como o prêmio Global 500, da pró-pria ONU.

Durante 1988 continua sua luta percorrendo regiões do Brasil, participando de seminários, palestras e congressos, denunciando a ação predatória contra a floresta e as ações violentas dos fazendeiros contra os trabalhadores de Xapuri. Realiza-se o seu grande sonho: a implantação das primeiras reservas extrativistas criadas no Estado do Acre, além de conseguir a desapropriação do Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva, em Xapuri. A partir daí, agravam-se as ameaças de morte. Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes é assassinado na porta de sua casa. Mas suas ideias e ideais não.

Comissão Pastoral da Terra Sul do Pará

Dorothy STANG

Por que mataram Dorothy?

A resposta reside no fato de que existem na Amazônia duas propostas de desenvolvimento bem diferentes: a do agronegócio e da mineração, que é excludente e predatória, e a da preservação da natureza e da justiça social.

A política do agronegócio e da mineração vem destruindo toda a região amazônica em uma corrida suicida pelo lucro: desmatando ilegalmente, incendiando a mata para plantar capim, derrubando a mais rica floresta do mundo para plantar soja e abrindo gigantescas crateras no coração da Amazônia para roubar nossos minérios.

Do outro lado do rio, entre as árvores, estão aqueles que fazem frente a essa política de morte e que estão dispostos a parar o avanço do monstro destruidor e ajudar na construção de uma outra Amazônia: economicamente sustentável, socialmente justa e ecologicamente correta.

Irmã Dorothy fazia parte do movimento popular. Ela acreditava que era possível viver em paz com a floresta e dela retirar o sustento digno para cada família da Amazônia; tinha a firme convicção de que «a morte da floresta é o fim da nossa vida».

A implantação do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) representava, na prática, uma reação à política do agronegócio e uma séria ameaça aos lucrativos privilégios dos poderosos.

Os PDS’s estavam no meio do caminho.

Por isso Dorothy foi covardemente assassinada, no dia 12 de fevereiro de 2005, com nove tiros, dos quais três foram fatais e simbólicos: uma bala atingiu seu cérebro, outra seu coração e outra suas vísceras. Quiseram eliminar seu pensar, seu sentir e o gerar da pequena, simples e idosa mulher.

Seu cérebro, seu coração e seu útero eram a ameaça para o modelo econômico implantado neste país, especialmente na Amazônia. Sua luta não acabou com sua morte, continua viva, como disse um dos agricultores de Anapu:

«Derrubaram Irmã Dorothy,

mas a sua semente não morreu, já está nascida».

Comitê Dorothy Stang

Frei Luiz CAPPIO

Bispo de Barra, BA

Em 2005, Dom Cappio fez um jejum (“greve de fome”) de 11 dias, em Cabrobó, PE, contra a Transposição do rio São Francisco, em defesa da Revitalização da bacia são-franciscana e de um Projeto de Convivência com o Semiárido. Em 2007, fez um segundo jejum, de 24 dias, em Sobradinho, BA, ao pé da barragem de Sobradinho, o maior lago artificial do mundo.

Que mundo deixaremos para nossos filhos, netos?

«Deus perdoa sempre; os seres humanos, de vez em quando; a natureza não perdoa nunca.» Se nós a agredirmos, mais cedo ou mais tarde ela dará sua resposta.

A vida não se improvisa. Em cinco minutos colocamos no chão uma árvore centenária. Serão necessários mais cem anos para que tenhamos outra semelhante. Isso se tivermos o cuidado de plantar outra.

É questão de consciência, de pertença. De saber que este Planeta é nosso lar. Fazemos parte dele. Foi-nos entregue para nele viver, usufruir de seus bens e riquezas. Cuidar para que os bens nele presentes possam se perpetuar e as gerações futuras, como nós, também possam tê-lo cheio de vida.

O rio São Francisco é o pai e a mãe de todo um povo. É o que garante a água que milhares de seres humanos bebem, comem do seu peixe e se alimentam dos frutos das terras banhadas por suas águas. O rio São Francisco é o gerador de vida para inúmeras outras vidas. O «Velho Chico» não pode morrer. Da vida para milhões de outros seres.

Existem no Brasil rios ainda bem maiores que o São Francisco. Mas o que faz a diferença é o fato de percorrer o semiárido brasileiro. Região de muita carência de chuvas. Águas temos com certa abundância, mas concentradas em alguns rios e na imensa rede de açudes existentes. Necessitamos, urgentemente, distribuir essa água concentrada para as populações difusas de todo o semiárido. Democratizar a água é uma tarefa essencial para a manutenção da vida, pois ninguém pode ficar sem ela.

Se o Projeto de Transposição de Águas do rio São Francisco tivesse como objetivo e meta a distribuição da água para as populações difusas, nós seríamos os primeiros a ser de acordo com o projeto. O apoiaríamos incondicionalmente. Mas a prioridade do Projeto de Transposição é a segurança hídrica em função dos grandes projetos agroindustriais. O uso econômico da água, antes de cumprir sua função essencial que é o dessedentamento humano e animal, faz o projeto antiético, inverte as prioridades no uso da água.

O rio São Francisco imita o santo de seu nome. O santo São Francisco nasceu de família abastada. Quando conheceu o sofrimento dos pobres de seu tempo deixou toda a riqueza da família e foi para o meio dos pobres e dos pobres mais pobres, que eram os leprosos. Dedicou toda a sua vida a eles. O rio São Francisco nasce na Serra da Canastra, no sudoeste do estado de Minas Gerais, uma das regiões mais ricas do Brasil. Poderia tomar a direção do leste ou do sul, regiões igualmente ricas. Mas não, faz uma curva e se dirige para o nordeste. Coloca toda sua potencialidade a serviço dos pobres do sertão brasileiro. É o rio que imita o santo de seu nome. Por isso dizemos: o rio São Francisco é o pai e a mãe de um povo. Aquele que supre suas necessidades essenciais, vitais.

Rio vivo – povo vivo. Rio doente – povo doente.Rio morto – morte de um povo. Ser pastor nas barrancas do São Francisco é garantir vida e vida abundante aos barranqueiros. Vida abundante aos barranqueiros significa vida abundante ao «Velho Chico».

Diante das inúmeras agressões causadas ao nosso rio, agressões essas geradoras de doença e morte, o pastor não pode se manter calado. É sua missão, é seu dever erguer sua voz, colocar suas forças no sentido de garantir vida ao rio, pois, na vida do rio, a vida do povo. É por isso que, diante de todas as ameaças de morte causadas ao rio e ao povo, o pastor se levanta, ergue sua voz, arrisca a própria vida, pois «onde a razão se extingue, a loucura é o caminho». Para salvar o Velho Chico, salvar a biodiversidade, salvar os povos ribeirinhos, salvar os seres humanos, salvar o planeta, salvar a vida, vale a pena doar a própria vida. Vale a pena morrer «para que tenham vida e vida em abundância».