Tudo tem o seu limite: o argumento irrebatível

Todo tem o seu limite: o argumento irrebatível

Nós nosultrapassamos, e estamos chegando ao colapso

Agenda latino-americana


Argumentos para mostrar a importância e mesmo a urgência de adotar uma mudança tão profunda como a que o novo paradigma ecológico implica há muitos, de toda ordem: científicos, filosóficos e até religiosos. Mas há um que é um argumento diferente, primário, óbvio, contra o qual não resta senão aceitá-lo ou assumi-lo, é o argumento físico: os limites do crescimento, um argumento material, nada teórico ou ideológico.

Não faz, porém, cinco séculos que comprovamos (Magalhães 1522) que estávamos em um planeta esférico: não em uma superfície plana infinita. Mas, ainda que teoricamente finito, na prática continuamos considerando-o como infinito, porque não tínhamos possibilidade de abarcá-lo, e nunca pudemos percebir que os nossos atos pudessem afectá-lo. A terra era tão grande, e nós tão pequenos, que ela podia englobar tudo, e sempre parecia haver muita «terra virgem»...

Há menos de 40 anos que um livro histórico, o Informativo do Clube de Roma, Os limites do crescimento, em 1972, lançou à humanidade uma inédita chamada de atenção: este planeta é finito, e temos crescido tanto que estamos nos aproximando do topo que os seus limites nos permitem. Sete milhões de anos habitavam os humanos neste planeta, mas pela primeira vez o homo sapiens lhe descobria limites, quase os tocando.

Em 1992, 20 anos depois, o livro reuniu novos dados e foi refeito completamente, com novo título: Alem dos limites do crescimento. A sua tese, o seu grito: não é que estejamos passando dos limites do planeta... acontece que JÁ os ultrapassamos, nós estamos nos aproximando de um colapso que está perto.

É um argumento novo e contundente. Tudo tem um limite. E este planeta também o tem. Não só não é infinito, mas, pelo que temos crescido, ele já está se tornando pequeno, e, devido ao ritmo de crescimento «exponencial» que atingimos, nos trombaremos bem logo com os seus limites – vai ser um desastre.

O conceito chave é: «crescimento exponencial»

Acostumamos usar esta expressão para indicar um crescimento «muito grande», mas o crescimento exponencial, alem de ser grande, tem outra característica que geralmente é desconhecida: a partir de certo momento cresce tão rapidamente que chega ao seu limite em um tempo mínimo, como que repentinamente.

Há uma antiga legenda persa sobre um cortesão que ofereceu ao seu rei um belo tabuleiro de xadrez e lhe pediu que lhe desse em troca um grão de arroz pelo primeiro quadro, o dobro (2) pelo segundo, o dobro (4) pelo terceiro, e assim sucessivamente. Imediatamente o rei ordenou que trouxessem o arroz. O 4° quadro supunha 8 grãos, o 10°, 512, o 15°, 16.384, e o 21ª significaria mais de um milhão de grãos. Ao chegar ao 40° se tratava de um trilhão... Não puderam pagar-lhe; não havia arroz suficiente no país.

Nos primeiros quadros a «duplicação» de quantidades pequenas pode parecer pequena. A curva do crescimento começa subindo pouco a pouco, mas logo, em poucas novas «duplicações», a magnitude se faz astronômica, quase infinita, e resulta incontrolável, choca com o limite.

Assim é o «crescimento exponencial»: duplicação, nova duplicação, e nova duplicação... até que atinge o limite. Todos nós costumamos pensar de modo linear, imaginando um crescimento «geométrico», proporcional, que mantém constância no ritmo aumentativo... Por isto a gente desconhece os riscos do crescimento quando é «exponencial».

Suponhamos um nenúfar em um tanque. A planta duplica o seu tamanho cada dia. De início é muito bonito ver como a planta cresce, parece que lentamente, e ninguém se preocupa com ela... até que no 28º dia a planta ocupa já a quarta parte do tanque... O que acontecerá nos dias seguintes? No 29° dia chegará a ocupar a metade do tanque, e no 30° o ocupará todo e acabará sufocando todas as outras plantas. Três dias antes do final ocupava só a oitava parte do tanque. Mas, dado o «ritmo diário de duplicação», nos últimos três dias, quase repentinamente, estoura o limite.

No início do século XX, faz agora 100 anos, as Filipinas tinham 6 milhões de habitantes. A cifra foi duplicando a cada 20 anos: de 6 para 12, para 24, para 48... Nos anos 80-90 ultrapassaram os 70 milhões... Para o ano 2010 as cifras oficiais falam em 100 milhões. Quantas duplicações a mais poderão acontecer?

Depois de milhões de anos dos humanos sobre a terra, no tempo do império romano, a população humana do mundo chegou a 200 milhões. Não se conseguiu uma duplicação até o século XII, logo outra no século XIX, e a seguinte ao começar o século XX, século em que a população mundial se multiplicou por quatro... Em 1999 alcançamos os 6 bilhões de habitantes. Hoje (2009) somos já 7,8 bilhões, e em 2050 alcançaremos os 9 bilhões (50% mais do que em 2000!). E já se pode calcular quando o nosso crescimento sufocará a nós mesmos e a toda outra forma de vida no nosso planeta-tanque, porque parece que começamos a estar muito perto desta data.

Como pergunta Josep Iborra nesta mesma Agenda (pág. 216), talvez sejamos para este planeta uma praga, ou um câncer – células que se reproduzem fora do controle -, ainda que um câncer especial, porque poderia «tomar consciência», e autocontrolar-se, contrair-se...

Muitas coisas crescem «exponencialmente»

O crescimento exponencial da população humana leva a crescimento também exponencial outras magnitudes: o espaço físico que ocupa a urbanização, as cidades que se incham até se encontrarem; a terra cultivada para alimentar essa população crescente, a terra roubada aos bosques e à vegetação silvestre (onde ainda existe); a biodiversidade que se extingue a ritmo acelerado; a água da agricultura de irrigação, que constitue a maior parte do gasto crescente deste elemento que já começa a ficar escasso; o consumo da energia, cuja maior escassez já não é da indústria, mas dos usos residenciais... e a emissão de CO2 na atmosfera, que não só não cortamos, mas que continuamos aumentando a nível mundial...

Já ocupamos 85% da superfície do planeta...: já não é possível outra duplicação, pois sairíamos dos limites do tanque. Com esse estilo de vida, e neste ritmo – um «crescimento» que não acreditamos que possa parar – vamos ao encontro da catástrofe final. Novaes (pág. 28) traz os dados: «Estamos consumindo 30% a mais da capacidade de reposição do planeta. A nossa pegada ecológica se triplificou desde 1961». Já é de 2,7 hectares por pessoa, acima da disponibilidade média de 1,8 hectare.

Até quando? Quando decidiremos parar?

Mas, ainda que resolvamos parar, conseguiríamos? Poderíamos deixar de queimar combustíveis fósseis, deixar de emitir CO2, deixar de desperdiçar água, deixar de contaminar com plástico (a cada minuto se produz no mundo um milhão de bolsas de plástico), deixar de gastar tanta energia... Só nos paralisando.

Não podemos nos deter. Estamos em uma pendente costa abaixo. Segundo previsões da ONU: a meados do século, a exigência humana sobre a natureza será duas vezes superior à capacidade de produção da biosfera. Só um «milagre» poderia salvar-nos da catástrofe para a qual estamos correndo: o milagre de uma «mudança de consciência» que nos convença que precisamos mudar o estilo de vida. Não há outro caminho.

Desenvolvimento não significa crescimento

São duas coisas distintas, que confundimos com frequência. Crescimento significa aumento quantitativo, de tamanho, de volume, de gasto, de ingressos, de dinheiro... Desenvolvimento significa desdobramento interior de novas dimensões, potencialidades, qualidades de vida. Depois que deixamos de crescer fisicamente não deixamos de nos desenvolver como pessoas. O crescimento tem algo de quantitativo. O desenvolvimento é qualitativo e, por isso, ilimitado: desenvolvimento sem crescimento. Como nosso planeta, que esteve 4.500 anos se desenvolvendo sem crescer. Chegados ao topo, estando inclusive em alguns aspectos além dos limites do crescimento, é necessário nos desenvolvermos sem ulterior crescimento físico, adaptando-nos ao nosso nicho biológico planetário.

Já ultrapassamos os limites. Nosso ritmo de vida atual é insustentável. Leva-nos ao colapso. É preciso empenhar-se em desacelerar, em retroceder. A solução da pobreza do mundo, o crescimento dos que ainda precisam, não será conseguido pela via atual (o nunca realizado «efeito cascata»: crescimento para os ricos, para que se derrame até os pobres). Deve-se fazer frente à pobreza e à injustiça, não com mais crescimento, mas com desenvolvimento humano e social, com uma mudança de consciência, de qualidade humana, com equidade na distribuição, uma vez que contraímos a economia material e detemos o desastre que há tempos estamos gestando.

Uma sociedade sustentável ainda é tecnicamente possível e é mais desejável do que uma sociedade em constante expansão material, que cedo resulta insustentável. Nos desenvolver qualitativamente, decrescendo quantitativamente: eis aí a única solução. Porque tudo tem um limite.

Cfr. MEADOWS-RANDERS, Más allá de los límites del crecimiento, El País-Aguilar, Buenos Aires - México - Madrid 1992.