Visão histórica da economia no Brasil

Uma visão histórica da economia no Brasil

Mauro Passos


O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Carlos Drummond de Andrade

Velocidade máxima, respostas rápidas, lucros, vitórias, busca frenética de eficácia. Assim o mundo atual vem sendo desenhado – só vale o que foi programado, executado e difundido. Podemos perguntar – o mundo foi sempre assim? Este estilo de vida pautado pela produtividade e eficácia sempre definiu o papel do cidadão, do trabalho, da economia, da sociedade? Mais do que uma incursão, proponho-me a fazer uma excursão no território social, político e econômico brasileiro, onde ocorre uma fermentação de diferenças, problemas e utopias, num processo de longa duração, considerando, ainda, outras culturas, territórios e sociedades.

1. Pórtico I

Como entender o tempo presente, senão à luz do acontecido, da história e de suas representações? Se para pensar precisamos recorrer à tradição, é necessário reconhecer que não podemos ficar apenas com esta herança cultural, já que o ser humano tem um processo de desenvolvimento no tempo e no espaço. Assim, por exemplo, a irrupção do Novo Mundo nos séculos XV e XVI tumultuou a tradição ocidental – uma pluralidade de espaços, tempos e costumes. Este fato modificou a história latino-americana, com fronteiras de intercâmbio entre o mesmo (o europeu) e o outro (as culturas ameríndias). Cada período traz em seu bojo a sabedoria e o movimento histórico da humanidade. Como registros ficam os vestígios, os acontecimentos, a memória e o aceno das palavras. Não há estabilidade ou permanência, pois persiste a dinâmica das mudanças.

Várias etapas marcaram a história dos grupos humanos no continente americano. Como em outras culturas, os habitantes se reuniam para encontrar meios de sobrevivência. A organização social (possível) era um meio para satisfazer suas necessidades. A proprie-dade e o cultivo do solo forneciam os elementos necessários para a subsistência do grupo. A troca de produtos e uma economia solidária, usando uma categoria de hoje, eram responsáveis pelo bem social da coletividade. Nas suas alegrias e nas suas tristezas as pessoas não se sentiam sozinhas, nem abandonadas. Intimidade, interioridade e solidariedade consolidavam os grupos em relações respeitosas e encorajantes. A confiança que vinha dos anciãos somava-se com a gentileza dos jovens. Não era um paraíso, mas esta economia solidária fazia eco nos valores e na tradição de cada povo.

Com a colonização, iniciou-se um processo de mudanças, transformações e rupturas na história brasileira. O fundamento da desigualdade teria seu início. Uma história em sobressaltos inaugurava-se nos trópicos. Violência e razão se aproximaram e foram deixando suas marcas, seus sinais. A igualdade, tão sonhada, tornou-se heterogênea e foi causando um fracionamento social, o que impedia a formação de uma comunidade humana. Assim, a desigualdade transformou-se em direito. A partilha que dava chão às pessoas e aos grupos teve um apagão.

Uma sociedade pré-capitalista, no entanto articulada com o capitalismo mundial, foi desencadeando seu processo. O peso deste período foi a ausência de autonomia na produção. Com isso, a cidadania foi sequestrada, sem meios de participação e representação. Os projetos rastejavam no papel com canetadas e demagogias. Mas a utopia não estava morta. Com criatividade, resistência e sincretismo, «o povo foi criando zonas e valores ligados à alegria, ao futuro, à esperança para fazer o brasil, Brasil» (DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?). Se não podemos modificar os eventos da vida, podemos alterar os modos de vivê-los.

2. Pórtico II

A mudança na política e na sociedade brasileira não ocorreu de forma linear nos períodos subsequentes. Houve crescimento da atividade industrial, embora se possa questionar o desenvolvimento social. Com o período republicano, longe de uma transformação na economia e no modo de vida, sublinhava-se a diferença entre «dois Brasis» – o do centro e o da periferia. A existência de lutas, de reivindicações e de outros movimentos, contra o poder estabelecido, dava outro tom à sociedade, revelador de uma consciência social. A década de 1930 foi um divisor de águas – o Estado interfere na economia, na corrida pela racionalidade econômica.

No entanto, continuava crônica a representatividade no campo político. Foi-se efetivando uma «potência» nacional, dissociada da formação cidadã. Fases de conquista, liberdade, autoritarismo e silêncio se sucederam. A forma «acordo – conciliação» foi um denominador comum. Agenda negativa neste horizonte, pois ampliava a permanência de um presente autoritário. No entanto, a resistência continuou e avançou em diversas regiões – forma de «achar o rumozinho forte das coisas», segundo o escritor Guimarães Rosa. Percursos que ondulavam, oscilavam e se cruzavam. A utopia continuou a abraçar a esperança na voz e gestos de muitos líderes. Entre outros, Dom Helder Câmara soube, num enlace entre razão, sentimento e religião, tocar nesses canteiros para mudar a roupa da história. Dorothy Mae Stang, Irmã Dorothy, e a índia guatemalteca Rigoberta Menchú revelaram que é possível um mundo diferente. Souberam cruzar fronteiras e provaram que o utópico não é fuga da realidade, mas ao contrário, é um modo de criticar sistematicamente a situação concreta, em função de critérios éticos, multiétnicos e interculturais. Não deixaram que o presente se esvaziasse, por isso projetaram o futuro – uma utopia além do mercado. A construção de uma economia de bem-estar.

3. Pórtico III

O presente é um tempo de transição. Nele está o caminho para o desenvolvimento e a justiça social. Uma questão central é o rumo que a ciência está tomando, por um lado. Por outro, a integração entre comunicação e mercado vem intensificando, cada vez mais, a prática do consumismo. Com um desenho homogeneizador, esses campos operam de maneira contraditória e antagônica, gerando indivíduos atomizados e insatisfeitos.

Numa época de grandes transições, os problemas não têm uma resposta precisa, mas seu desenho é construído por um conjunto de ações sociais, culturais e educacionais. Afinal, sem educação não há ciência, como também não há cultura nem ética. Nosso mundo carece de uma agenda que humanize as relações. O sentido da vida está na construção da história pessoal e no acesso aos bens essenciais – saúde, educação, trabalho, cultura e lazer. É a chance de voltarmos a experimentar a história como vivência real.

As questões contemporâneas não são um movimento em paralisia. A vida e a organização da sociedade não alcançaram um patamar definitivo. Frente às situações que solapam o mundo atual, é necessário reorientar os objetivos históricos e sociais, interferindo política e eticamente, contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns.

O Brasil é hoje um importante global player (ator mundial) não por sua diversidade cultural, mas pelo seu peso econômico no mundo capitalista e, principalmente, por suas fontes de recursos naturais. No entanto, esse fato choca-se com o contraste social. Que princípios devem orientar uma nova cartografia para o mundo de hoje? Que futuro estamos construindo para as novas gerações?

A humanidade carece de uma restauração da qualidade de vida. O marco diferencial é a garantia de uma ordem social justa. Por exemplo, para a ASA, Articulação no Semiárido Brasileiro, «cavar uma cisterna é mais do que uma obra, é a construção de um movimento». Neste sentido, pode-se destacar a invenção política dos Fóruns Sociais Mundiais e das ONGs, com uma participação significativa de jovens. Outras frentes de ação têm significado no cenário nacional e internacional, em defesa de interesses comuns e solidários.

A crise que atravessamos hoje não é somente social ou econômica. É uma crise de esperança. Encontramo-nos diante de um desafio – alcançar outro patamar de pensamento e outra forma de experienciar o mundo. Instigante, na conclusão deste texto, dialogar com os versos do poeta, citados na epígrafe: «Não nos afastemos, vamos de mãos dadas».

Ainda há lugar para a invenção e a solidariedade, pois o futuro pertence a quem tem motivos de esperança. O apelo é para um humanismo intercultural que comporta uma significação mística, religiosa, solidária. Assim como o artista modela a história, nossos gestos devem modelar sinais de boas-vindas, instituir urgências de partilha para todas as formas de vida, como artesãos de humanidades. Um programa que congregue os países da América Latina e possa, ainda, unir o horizonte dos oceanos, para o grande abraço entre Oriente e Ocidente.

 

Mauro Passos

Padre da Arquidiocese de Belo Horizonte, MG, Brasil